‘Ficou implorando leito’, diz filha de homem com Covid que morreu esperando vaga de UTI em Canoas

Nei Carlos Trindade Júnior, o Chiquinho, tinha 45 anos. Sem leitos de UTI disponíveis, transferência para outro município foi impossibilitada após piora no estado de saúde do paciente, informou a prefeitura.

Dez dias separaram o aparecimento dos primeiros sintomas e a morte de Nei Carlos Trindade Júniorde 45 anos, por Covid-19, na terça-feira (23). Morador de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, Chiquinho, como era conhecido, não resistiu às complicações enquanto esperava por uma vaga de UTI.

Segundo uma das filhas, Larissa, o pai ficou na fila de espera por uma vaga de UTI até morrer.

“Ficou cinco dias lúcido e implorando o leito”, lamentou.

 

G1, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que “o Sistema de Gerenciamento de Internações (Gerint) processa as solicitações e indica os locais para que sejam feitas as internações em hospitais de referência regionais que tenham estrutura e capacidade instaladas para receber pacientes em estado grave”. Sobre o paciente de Canoas disse que não tem “como apurar casos individuais”. Leia nota abaixo.

A prefeitura de Canoas lamentou o morte e afirmou que “o paciente recebeu todo o suporte no atendimento”. Leia nota completa abaixo.

O caso é mais um observado na semana em que a pandemia avançou no Rio Grande do Sul, com a ocupação dos leitos críticos se aproximando da capacidade máxima. Até às 16h07 desta sexta-feira (26), o índice de lotação das UTIs do estado era de 93,4%. Já em Canoas, a taxa era de 96,5% e 38 pacientes aguardavam um leito de UTI Covid.

Casado e pai de quatro filhos, sendo um já falecido, Chiquinho era presidente da Liga Canoense Futebol Sete, entidade que organiza torneios esportivos e ações beneficentes na cidade. Impossibilitado de realizar os campeonatos, em razão da pandemia, o comerciante abriu uma tele-entrega de churrasco e bebidas para garantir a renda da família.

Busca por atendimento

 

De acordo com Larissa, os sintomas do pai começaram leves, no dia 14 de fevereiro, quando ele apresentou dor de garganta e tosse fraca. O quadro evoluiu na madrugada seguinte, quando o comerciante passou a ter febre.

“Na terça-feira de manhã [dia 16], a gente levou numa clínica particular. Ele já estava muito mal. Ele fez os primeiros procedimentos na clínica, tomou medicação, voltou para casa. Eles pediram para fazer o teste e levá-lo ao hospital”, relatou Larissa.

No dia seguinte, familiares levaram Chiquinho para uma unidade de pronto atendimento em Canoas. Como a UPA estava lotada, ele não foi atendido. No dia 18, já com falta de ar, ele voltou ao local e conseguiu ser internado.

A situação do paciente foi se agravando com o passar dos dias. Os níveis de oxigênio no organismo de Chiquinho baixaram e ele precisou respirar com ajuda de aparelhos.

O comerciante aguardou por vagas nos hospitais Universitário e Nossa Senhora das Graças, ambos em Canoas, que não tinham mais leitos de UTI disponíveis. De acordo com a Prefeitura de Canoas, o pedido por uma vaga foi feito no dia 19 e a reserva aconteceu três dias depois.

“Eu tenho áudios dele dizendo ‘por favor, me tirem daqui! Eu preciso sair daqui, tem gente morrendo! Eu não consigo respirar”‘, relatou a filha.

 

Transferência sem sucesso

 

Na segunda (22), a família foi chamada para recolher os pertences do pai, que seria transferido para uma vaga de UTI em Garibaldi, na Serra, a 99 km de Canoas.

“Ele se agitou, ficou muito nervoso. Ele sabia que a família não tinha condições de ir até Garibaldi”, contou.

 

A transferência, no entanto, foi frustrada, em razão da gravidade do estado de saúde de Chiquinho. Segundo Larissa, médicos afirmaram que seria muito arriscado deixar o paciente numa ambulância correndo o risco de sofrer uma parada cardíaca durante o trajeto.

Na terça (23), após a piora no quadro, Chiquinho sofreu três paradas cardíacas e morreu. “Havia registro de instabilidade clínica para o transporte do paciente, o que impossibilitou a transferência”, explicou a prefeitura.

“Ele lutou até o último momento”, disse Larissa.

 

Chiquinho abriu uma churrascaria durante a pandemia — Foto: Acervo pessoal

Chiquinho abriu uma churrascaria durante a pandemia — Foto: Acervo pessoal

Reflexão e revolta

 

Lamentando a morte do pai, Larissa alertou para os riscos do coronavírus e lembrou dos cuidados tomados por Chiquinho durante a pandemia.

“As pessoas precisam ser conscientes. Ele sempre se cuidou, ele era uma pessoa que dizia ‘bota a máscara, lava a mão’. E ele foi a pessoa que pegou e não resistiu”, lembrou.

 

A filha ainda reclamou das dificuldades para conseguir o atendimento para o pai. “Sem condições, um leito em Garibaldi, tendo dois hospitais em Canoas. Não tem como aceitar uma coisa dessas”, protestou.

Nota da Prefeitura de Canoas

 

“O paciente Nei Carlos Trindade Júnior deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento Guajuviras, em Canoas, no dia 18/02, com quadro de Covid-19.

No dia 19/02, foi inserida solicitação no sistema de regulação para transferência para leito de UTI. Foi captada vaga na rede hospitalar de Canoas e, conforme evolução da solicitação, em 22/02, foi reservada vaga no Hospital Nossa Senhora das Graças. Na tarde do dia 23/02, havia registro de instabilidade clínica para o transporte do paciente, o que impossibilitou a transferência.

Importante ressaltar que o agravamento rápido e repentino dos quadros é uma característica da Covid-19 e que para ser transferido o paciente precisa antes estar estabilizado.

A direção técnica informa que o paciente recebeu todo o suporte no atendimento, primeiramente sendo encaminhado à Sala Amarela e, após, no dia 22/02, à Sala Vermelha (casos gravíssimos), devido ao agravamento dos sintomas e quadro clínico instável. Conforme registro da equipe médica, ele apresentava comorbidade e obesidade grau 3.

De acordo com informação registrada, o paciente veio à óbito às 19h30. A Secretaria Municipal da Saúde de Canoas lamenta profundamente a perda de mais um canoense para a Covid-19 e se solidariza com a família, amigos e comunidade”.

Nota da SES

 

Diante do agravamento da pandemia de Covid-19 no RS e da rapidez com que evolui o quadro clínico dos pacientes, gerando maior necessidade de internação clínica e de UTI, a Secretaria da Saúde (SES) informa que, por meio do Departamento de Regulação Estadual (DRE), está atenta às necessidades de atendimento da população gaúcha, realizando todos os esforços para efetuar as transferências de todos os pacientes que precisarem de vagas para atendimento intensivo e de urgência.

As transferências são executadas em conjunto com os municípios, pronto-atendimentos e com hospitais que não dispõem de leitos de UTI. O Sistema de Gerenciamento de Internações (Gerint) processa as solicitações e indica os locais para que sejam feitas as internações em hospitais de referência regionais que tenham estrutura e capacidade instaladas para receber pacientes em estado grave.

Infelizmente, neste momento, com o agravamento brutal da pandemia e o consequente aumento da fila de espera por leitos de UTI, não temos como apurar casos individuais.

Fonte: G1