Mulher confessa à polícia ter matado companheiro e escondido corpo por quatro anos no Litoral

Leda Natalina Alves Pinheiro foi denunciada pelo Ministério Público, assim como o companheiro Antonio Leri da Silva. Os dois estão presos.

Quatro anos após o companheiro desaparecer em Arroio do Sal, no Litoral Norte, Leda Natalina Alves Pinheiro, 59 anos, confessou à polícia ter assassinado Jonathan Martins de Almeida, 33 anos, em dezembro de 2016. Presa desde o mês passado, quando uma ossada humana foi encontrada enterrada em sua residência, ela decidiu detalhar o crime para os investigadores, conforme sua versão.

A mulher foi denunciada nesta quinta-feira (10) pelo Ministério Público por homicídio, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. O atual marido dela, Antonio Leri da Silva, 45 anos, que também está preso, foi denunciado por ocultação do cadáver. A polícia acredita que ele ajudou a esconder o corpo da vítima — a mulher alega que agiu sozinha e que ele não tinha conhecimento do crime. A defesa do casal sustenta que ela agiu para se defender e que Antonio não possui qualquer envolvimento.

No entendimento do delegado Adriano Koehler Pinto, o crime foi cometido por ciúmes, em razão de a mulher não aceitar o fim do relacionamento. Na época, Jonathan estava se relacionando com outra mulher. Testemunhas relataram que ela seria ciumenta e controladora. Leda, no entanto, narrou ao longo de três horas outra versão. Ela disse que não agiu por ciúme e apontou outra motivação para a morte.

Ouvida no Presídio Feminino de Torres, ela contou que o crime aconteceu na noite de 18 de dezembro de 2016 — data em que Jonathan desapareceu. Segundo o delegado, a mulher alegou que o companheiro chegou em casa embriagado, carregando uma garrafa de um litro de cerveja. Na versão dela, ele teria quebrado um copo na mesa da sala e ido em sua direção. Neste momento, ela teria atingido a vítima na cabeça com a garrafa, para se defender.

Leda alegou que o companheiro possuía um perfil violento e agressivo, que teria se intensificado nos dois últimos anos de relacionamento. Mas, para a polícia, a versão dela apresenta incoerências. O delegado afirma que não há nenhum registro ou relato anterior que confirme que a vítima era agressiva. Pelo contrário, conforme o policial, foi ouvida testemunha que conta ter visto Jonathan com marcas de agressões causadas por Leda.

— O relato dela é isolado. Não há registro policial dela contra ele. Nem de qualquer mulher ou pessoa contra ele. Jonathan foi visto com marcas de agressão com utilização de espeto de churrasco. Um companheiro anterior dela, ao tomar conhecimento dos fatos, noticiou que ela também o tentou agredir nos mesmos moldes anos atrás — detalha.

A polícia vê outra divergência no depoimento de Leda sobre o horário que Jonathan teria chegado em casa. A investigação apurou que, naquele dia, ele estava fora da residência, mas ela teria pedido para que ele fosse até a casa, ainda durante o dia. No depoimento, Leda alegou que ele chegou em casa à noite, embriagado.

Além disso, o delegado afirma que a mulher não conseguiu esclarecer o motivo pelo qual não acionou o socorro ou não pediu ajuda a outros moradores. Segundo a versão de Leda, após perceber que Jonathan estava morto, ela decidiu esconder o corpo. Por isso, teria enterrado a vítima inicialmente no pátio. Ela teria arrastado o corpo até lá e cavado um buraco durante a noite. Depois uma área de serviço foi construída sobre o local onde estava o corpo.

As dúvidas sobre como o crime aconteceu exatamente fizeram a polícia sugerir que seja realizada uma reprodução simulada dos fatos. Dessa forma, seria possível verificar se o relato dela encontra veracidade.

— Essas contradições das declarações dela com o conjunto probatório que levaram à proposta de reconstituição do crime — diz o delegado.

Conforme a polícia, por enquanto, a presa não se dispôs a participar da perícia. A defesa dela afirma que neste momento não há motivos para ser realizada a reprodução simulada, já que ela confessou o crime.

Marido

O atual marido de Leda também foi ouvido pela polícia na Penitenciária de Osório e manteve a versão de que não tinha conhecimento sobre o crime. Antonio alegou que conheceu a mulher em 2018, e que eles se casaram um mês depois em Caxias do Sul, na Serra. No relato, disse que não conheceu Jonathan. A mesma versão é mantida por Leda. Ela alega ter agido sozinha.

A polícia suspeita que ele tenha ajudado a esconder o corpo, construindo a área de serviço sob a qual estava enterrada a ossada.  Em depoimento, ele negou ter participado da construção. Leda também afirmou que outra pessoa foi responsável pela obra. O delegado manteve, no entanto, o entendimento de que o companheiro pode ter participado da ocultação do cadáver, mesma posição tomada pelo Ministério Público, que decidiu denunciar o preso pelo crime.

A polícia afirma que, no dia em que foi cumprido o mandado de busca e apreensão na casa, Antonio confirmou ser auxiliar de serviços gerais e ter sido o responsável pela obra. Em relação ao homicídio, não há nada que indique que ele tenha participado da morte, por isso, não foi indiciado ou denunciado por este crime.

Defesa

O advogado Vitor Hugo Gomes informou que ainda não teve acesso à denúncia. Sobre a confissão, disse que Leda manteve a versão que havia apresentado para ele, quando assumiu a defesa, mas desta vez com mais detalhes.

— Ela chorou muito, está bem abalada psicologicamente, fazendo uso de medicamentos. Manteve a versão integral. Ela admite os crimes, inclusive a ocultação e a falsa denúncia. Mas ela diz que não queria matar, teria sido um ato culposo. Ela teria desferido o golpe nele, mas não com intenção de matar. Com a intenção de se defender. Causar lesão a ele, mas não seria a morte. Ela estava se defendendo, em legítima defesa. Ele já abusava dela, era muito superior em força. Ele tinha quebrado um copo na mão e estava com o caco de vidro ameaçando ela — afirma o advogado.

Sobre o fato de Leda não ter chamado socorro, o advogado afirma que ela teria entrado em desespero e que ele teria morrido imediatamente após a pancada na cabeça. O advogado nega que ela tenha agredido Jonathan anteriormente. Sobre o relato do outro companheiro de Leda, diz que ela também sofria violência por parte dele.

Em relação à defesa de Antonio, o advogado encaminhou à Justiça pedido de liberdade. Ele ressalta que não há motivos para manter o cliente em prisão preventiva. Entre os argumentos apresentados está a pena prevista para uma eventual condenação por ocultação de cadáver, que não resultaria em cumprimento em regime fechado, e a negativa de autoria. O advogado relata que o casal diz ter se conhecido em 2018, em Arroio do Sal, em uma igreja evangélica. Os dois teriam se casado poucos meses depois, em razão da religião.

— Os dois se conheceram ali, se aproximaram, e decidiram se casar. Ele não sabia do cadáver. Não conheceu o Jonathan. A prisão dele é um absurdo. Ela diz que fez tudo sozinha, e isso está provado nos autos. Que ele sequer conhecia a vítima. Ele não fez aquela obra, uma pessoa foi contratada para isso. Além disso, a prisão é desproporcional ao crime pelo qual ele está respondendo. A expectativa da defesa é de que ainda hoje ele seja colocado em liberdade —afirma.

O desaparecimento

Em dezembro de 2016, Jonathan deixou de fazer contato com familiares. Para os parentes dele, Leda relatou que ele havia ido embora de casa, para viver com outra mulher. Com detalhes, ainda teria contado ter visto o companheiro embarcar em um Celta verde, que aguardava por ele na esquina da casa.  Em janeiro, a mulher foi até a polícia e comunicou abandono de lar — motivo pelo qual foi denunciada por falsidade ideológica.

O fato de Jonathan ter sumido sem levar a motocicleta que ele havia comprado recentemente e não ter recebido o 13º salário no emprego fizeram os familiares suspeitar ainda mais da versão da mulher. Sem notícias dele, os parentes passaram a espalhar fotos pelas redes sociais e em sites de buscas de pessoas desaparecidas. Uma ocorrência pelo desaparecimento foi registrada. Mas, somente neste ano, foi localizada a ossada na residência, após a polícia receber uma informação anônima.

Os restos mortais foram encaminhados para perícia, que está realizando a comparação genética, com base no DNA da mãe de Jonathan. O Instituto-Geral de Perícias (IGP) informou que pretende concluir o laudo até o fim da próxima semana. Os familiares esperam poder sepultá-lo em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, sua cidade natal.

Fonte: Gaúcha/ZH