Covid-19: cadáveres contaminam?

A perda de uma pessoa amada por Covid-19 é imensurável. No entanto, a rápida despedida aumenta essa dor ainda mais. Além do curto tempo de duração, não há contato e poucos amigos e familiares têm acesso ao funeral. Diante do medo de haver risco de contaminação, a presença nos velórios da Covid-19 que ocorreram não atingiu o limite. Isto quando há velório, em alguns poucos estados, a maioria dos familiares prefere a cremação ou enterro direto. Por questões de segurança, as prefeituras estão adotando protocolos de restrição rigorosos junto ao Ministério da Saúde.

 

Ao recomendar devidas precauções com funerais ou até a não realização destes, abre-se o precedente para uma questão que, até então, não foi bem esclarecida: os cadáveres contaminam?

Um argumento que tem sido utilizado nesse debate é o de que não há provas de que pessoas tenham se infectado com coronavírus a partir do contato com cadáveres. Porém, os cuidados valem-se da mesma forma, tendo em vista que as vítimas da Covid-19 podem abrigar o vírus em seu organismo, mesmo após a morte. Diante disso, muitas autoridades têm se questionado sobre a melhor forma de enterrar essas pessoas e os riscos envolvidos.

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu, em nota, que “até o momento, não há evidências de pessoas que tenham sido infectadas pela exposição aos corpos de pessoas que morreram de Covid-19”, mas a organização manifesta ser imprescindível o uso de equipamentos de proteção individual para o manuseio do corpo.

Em entrevista ao Canaltech.com, Lina Paola, infectologista do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e formada na Pontifícia Universidade Bolivariana, na Colômbia, afirma: “o pulmão expele todo ar que está contido, dentro do órgão, por até 72 horas, e os líquidos do corpo também são eliminados. Começam a sair os fluídos corporais e todos eles são, potencialmente, transmissores de doenças. Esse processo começa uma vez que o corpo morre”.

Segundo a OMS, “exceto nos casos de febre hemorrágica e cólera, os cadáveres geralmente não são infecciosos”. Quando o foco é o coronavírus, o maior risco de contaminação ocorre em situações de autópsia, desta forma a atenção deve ser redobrada no manuseio do corpo, mas a Covid-19 segue sendo melhor investigada.

A entidade afirma ainda que “a dignidade dos mortos, sua cultura e religião (tradições) e suas famílias devem ser respeitadas e protegidas por todos os envolvidos. A eliminação apressada de mortos doa Covid-19 deve ser evitada”.

Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é mais categórica: “o manuseio do corpo deve ser o menor possível” e “o corpo não deve ser embalsamado (tratado)”, diz texto do órgão. Também trata a cremação dos cadáveres como o ideal; para o Ministério da Saúde, os corpos podem ser enterrados ou cremados. Caso haja enterro, a urna (caixão) deve ser desinfectada e lacrada. Todos os profissionais envolvidos no processo devem usar equipamentos de proteção individual.

A OMS adota e recomenda como principal estratégia de combate ao coronavírus medidas de prevenção e a intensa realização de testes para identificar os infectados. A dificuldade que o Brasil tem enfrentado nos testes, além de afetar o combate à proliferação da doença, impacta o trabalho das pessoas na linha de frente, pois acabam tendo de manusear cadáveres sem a comprovação que a causa da morte foi Covid-19.

Os atrasos recorrentes nos resultados de exames para o coronavírus, mesmo após a morte da pessoa possivelmente infectada, tem afetado os procedimentos recomendados. Declarações de óbito necessitam a inclusão da infecção por coronavírus, caso haja confirmação por exame, ou informar que há testes em andamento. Mas nem todas as declarações têm incluído essa segunda informação.

Segundo a BBC News Brasil, quando uma pessoa morre em decorrência da Covid-19, há procedimentos estabelecidos pelo Ministério da Saúde antes mesmo do velório: o corpo deve ser enrolado com lençóis e dois sacos exteriores e o saco deve ter a identificação da pessoa morta e a “informação relativa ao risco biológico: Covid-19”.

Antes da transferência do cadáver ao necrotério, um servidor público ou um familiar deve assinar um termo de responsabilidade para ter acesso ao corpo e identificar a pessoa. Não pode haver qualquer tipo de contato físico com o paciente, com os pertences dele ou qualquer outro material que possa estar contaminado.

Ao realizar a identificação, a pessoa será informada sobre o risco de contaminação e deve adotar as medidas de precauções para não haver o contágio. Deve-se usar um capote descartável, luvas e máscara cirúrgica. Por meio de fotos, a pessoa tem a alternativa de reconhecer o corpo sem qualquer necessidade de contato com o cadáver.

Velórios e funerais não são recomendados durante este período, conforme o Guia para o Manejo de Corpos no Contexto do Novo Coronavírus – COVID-19. Caso sejam realizados, recomenda-se que o enterro ocorra com no máximo dez pessoas, “não, pelo risco biológico do corpo, mas sim pela contraindicação de aglomerações”, diz o texto da pasta.
Este documento traz uma série de orientações para quem optar pela realização da despedida, em termos possíveis.

 

Entre eles, é indicado “manter a urna funerária fechada durante todo o velório e funeral, evitando qualquer contato (toque/beijo) com o corpo do falecido em qualquer momento post-mortem”. A cerimônia também deve ser realizada em locais ventilados e, de preferência, abertos com no máximo 10 pessoas, respeitando a distância mínima de, pelo menos, dois metros entre elas.

Renan Vilaverde