Cristina, a vítima do acidente na BR 290, simbolizava a fibra e a coragem da mãe guerreira

“O combinado era um almoço em família no domingo, uma comemoração. Mas ao contrário, enterramos minha mãe. Ela sempre foi nosso sol, pois iluminava a todos. Uma pessoa que deixou um grande legado de união, amor, honestidade e respeito. Nossa mãe era porreta, uma mulher que enfrentou tudo e todos pelos filhos, jamais esmoreceu diante dos percalços. Se tínhamos que comer dorso com arroz, ela batalhava para que esse alimento estivesse à mesa. Foi uma guerreira que viveu sempre de forma muito intensa” – disse Manu.

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Assim é chamada uma das filhas de Lourdes Cristina Ferreira Cabral, vítima fatal do acidente no último dia 16, no KM  559, da BR 290, em Alegrete, onde um Ford Del Rey com placas de Rosário do Sul colidiu em uma árvore. O veículo trafegava sentido Alegrete/Durasnal.

No final da tarde de segunda-feira(19), por telefone, a reportagem do PAT conversou com os familiares e soube um pouco mais da trajetória da alegretense de coração, pois era natural de Manaus, mas estava em Alegrete desde os 17 anos.

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Ainda emocionada, Manu falou em nome dos outros três irmãos. Ela descreveu a mãe como uma rainha, vaidosa e muito guerreira, Cristina marcou a vida dos filhos e netos, mas também foi mãe, amiga e confidente de muitas pessoas. Algumas, que os filhos nem conhecem bem, pois o círculo de amizade era algo que não tinha como mensurar.

Manu cita que a mãe chegou adolescente com o pai que era militar, ela tinha 17 anos. Conheceu o primeiro companheiro e pai dos filhos, com quem ficou um período casada e já batalhava para o sustento da família. Naquele período, tinha uma banca de camelô. Depois, com a separação, ela entregou a banca ao ex-companheiro e foi em busca de novos trabalhos.

Daí em diante, Cristina foi faxineira, babá, cozinheira, vendedora autônoma, entre outras funções. O objetivo era trazer sempre o alimento para dentro de casa e garantir que os filhos não passassem fome. Muito guerreira, jamais desanimou. “Se ela conseguia comprar dorso e fazia com arroz, aquilo, naquele momento era um banquete. Mas nos educou e batalhou sempre por nós. Tanto, que muitas vezes, quando ela menos esperava, alguém da Igreja batia na porta e trazia uma cesta básica”- disse Manu.

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Na continuidade ao descrever um pouco sobre o que a mãe representa, ela completa dizendo que a mãe era surreal, sempre foi o orgulho dos filhos, era o porto seguro de todos. Em qualquer situação, embora todos casados e independentes, eles recorriam a ela pois Cristina tinha a palavra certa, a mensagem correta e fazia com que o problema se tornasse insignificante diante de toda a sua energia e forma de administrar. “Ela não deixava ninguém triste, tanto nós filhos como os amigos. Todas as manhãs passava uma mensagem de bom dia, mensagens positivas. Acordava às 4h e no máximo às 6h já estava com o rádio ligado, ouvindo músicas alegres, sorrindo. Muito vaidosa, usava muitos anéis, colares, roupas coloridas. Minha mãe era aquela pessoa que sempre se destacou. Cada um que a conheceu, com certeza tem uma lembrança linda da pessoa que ela era. Não importa quem fosse, se não estava bem, ela conhecia apenas pelo olhar. E, logo ela com seu jeito porreta consertava tudo”- descreveu.

A luta e os desafios durante anos, fizeram Manu lembrar de um período em que a mãe saia do bairro Promorar e se deslocava até as proximidades da Casa Schein, no bairro Coxilha, onde era babá. Para que o filho mais velho pudesse estudar na Escola Emílio Zuñeda e se formar em contabilidade ela fazia o percurso a pé, para que ele ficasse com a passagem.

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Depois com o passar dos anos, os filhos foram crescendo cada um encontrando sua profissão e a auxiliando em casa. O mais velho, Ernesto ficou com o legado dos camelôs. Trabalha na banca 15. Os outros seguiram caminhos distintos. Mas sempre com muita responsabilidade, respeito e honestidade. Ela ainda foi responsável pela criação das netas, filhas do primogênito. “Minhas sobrinhas são como irmãs, minha mãe deu a elas a mesma educação, sabe aquela, à moda antiga que só no olhar tu já sabe o que ela quer dizer? Mas tudo muito valioso”.

Os momentos das dificuldades financeiras foram ficando para trás e Cristina tinha prazer de servir verdadeiros banquetes aos filhos. ” Acredito que era uma forma dela compensar. Sempre falo para meus irmãos, nossa mãe nos ensinou a comer dorso e também a comer churrasco até abrir o botão da calça. Foram os extremos, pois ela se realizava às quartas-feiras quando fazia no mínimo duas galinhas assadas, saladas e todos os filhos almoçavam com ela. O que sobrava, ela sempre doava, ajudava os pedintes ou outras pessoas. Fazia tudo com coração pois tinha gratidão por tudo. Assim como, aos domingos, era sagrado os churrascos, bolos e bebidas.” – falou Manu.

Sobre o acidente, ela ressaltou que a mãe estava com o companheiro há cerca de dois meses e eles se davam bem. Mesmo que as placas do carro fossem de Rosário do Sul, ele reside no Durasnal. O combinado, naquela sexta-feira foi de que, eles iriam para o interior e os filhos iriam encontrá-la no domingo, onde já estava combinado o churrasco e uma pequena reunião em família. Por esse motivo, o bolo e as comidas e bebidas no carro.

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“Aqui em casa, são seis cães e cinco gatos. Mas a mais espoleta, que não pára nunca é a Aurora. Para tentar fazer com que ela pudesse gastar um pouco mais de toda energia,  ela foi com eles para que pudesse correr pelo campo, ficar um pouco mais livre. Aurora não queria sair de perto dela, pois apesar de todos os animais serem meus e dos meus irmãos, nós que somos responsáveis por ração, remédios e tudo mais, quem sempre cuidou foi a mãe. Eles sempre ficaram com ela, são animais adotados e tinham um amor enorme em retribuição ao carinho que ela tinha com cada um”- destacou.

Sobre o paradeiro e o que poderia ter acontecido com o motorista, Manu disse que no momento, nada justifica a atitude dele em deixá-la sozinha. Não ter solicitado socorro, não comunicá-los sobre o que tinha acontecido. É inaceitável o que ele fez, mesmo que tivesse culpa, se ingeriu ou não bebida, enfim, o que quer que tenha ocorrido naquela noite, ele deveria ter ficado. Desde o acidente a família não teve mais notícias sobre o paradeiro do condutor e namorado da mãe.

Aurora que estava com a vítima e não queria sair do interior do carro, foi resgatada pelos policiais rodoviários federais e encaminhada ao posto da PRF em Alegrete, naquela madrugada. Passou por avaliação da veterinária do canil e posteriormente foi restituída aos filhos de Cristina.

Para finalizar, Manu disse que o coração da mãe era gigantesco, tinha espaço para todos. Cristina era o sol que iluminava a todos com sua alegria e espontaneidade. “Ela foi muito cedo, eu sou a unica que não tenho filhos. Sou a tia louca, não tenho paciência. Me identifico muito com ela, na autenticidade. Em seu jeito único, também, sempre disse que no seu velório não queria choro, nem flores. Que sempre estivéssemos perto dela enquanto viva e demonstrássemos o amor pra ela. Não adiantava lamentar depois. Ainda fez o pedido para que tivesse uma música bem alta, não queria tristeza, mas isso não foi possível cumprir e sei que ela vai entender”.

Lourdes Cristina deixa quatro filhos, Ernesto, João, Maria e Emanuelly. Assim como genros, Rodrigo Santos e Rodrigo Fagundes, noras, Flávia e Suziane, três netas e três netos.

As netas criadas por ela são:
Vitória e Vivian
Os outros:
Eduardo
Fernanda
Renan
Rodrigo

Flaviane Antolini Favero