Derli Chapéu Preto, um escultor único no seu estilo, fala de perdas, traumas e arte

Confira entrevista com Derli Chapéu Preto, realizada com exclusividade na redação do Portal Alegrete Tudo.

Derli Chapéu Preto é entrevistado na redação do Portal Alegrete Tudo
Derli Chapéu Preto é entrevistado na redação do Portal Alegrete Tudo

“Eu ando de bota, bombacha por tudo. Em muitos momentos, recebo pessoas importantes em minha casa, com minha velha calça estilo militar e com as mãos sujas do trabalho. Sei que, para muitos, não passo de um escroncho, sou ridicularizado e muito pouco valorizado. mas isso, não tira a minha paixão e amor pelo meu trabalho” – assim, iniciou mais uma entrevista com o escultor, entalhador e alegretense, Derli Vieira da Silva – popular – Chapéu Preto.

A visita dele à redação, inicialmente tinha apenas um objetivo, ele queria falar sobre a Revolução Americana, também conhecida como independência dos Estados Unidos, que foi declarada pelos colonos em 4 de julho de 1776 e marcou o fim da colonização inglesa sobre as treze colônias americanas. O processo de independência dos Estados Unidos manifestou a insatisfação dos colonos com a política exploratória imposta pela Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII. Com uma carta em mãos, destacou o seu agradecimento aos norte-americanos por tudo que ele destaca que fizeram de relevante pelo Brasil, citando milhões de doses da vacina contra Covid-19.

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Porém, depois do seu desabafo sobre o tema, o talentoso escultor demonstrou a sua carência em falar, ser ouvido e valorizado pelo que é. Em muitos momentos se emocionou, chorou e confessou sua tristeza por vários episódios que deixaram marcas profundas em sua vida. O mais recente, foi o último incêndio no seu galpão que era o seu ateliê. Ano passado em julho, exatamente um ano atrás, ele teve um princípio de sinistro, contudo, em 31 de dezembro, as chamas deixaram tudo totalmente destruído. Foram mais de seis horas de trabalho incessante dos Bombeiros de Alegrete com apoio da cisterna de uma Unidade Militar. “Por mais de quatro meses eu chorava muito ao lembrar daquele dia, não sei como consegui suportar ao ver tudo destruído. Mais de 20 mil reais que perdi em material, algo que consegui ao longo da vida e com muito trabalho pois não tenho apoio de governo ou auxílio” – destacou.

A infância

Entre as lembranças, também passa por um breve relato da infância quando perdeu a mãe ainda muito pequeno, com quatro anos e viu o pai matar os irmãos.” Não consigo esquecer aquele dia, meu pai deu veneno “tatuzinho” aos meus irmãos. Eu não morri porque estava com meu avô, ajudando na lavoura. Depois de matá-los, ele atirou contra si. Foi um grande choque para todos à época. Eu fiquei sem família, somente com meus avós.” – lembrou.

Derli, ressalta que depois da tragédia, ele foi morar com a avó materna. Neste período, passou por muitas necessidades, dentre elas, fome e frio. A coberta era de bolsa de estopa e a felicidade maior ficava por conta do auxílio de alguns tropeiros que o agraciavam com uma cabeça de ovelha ou mondongo de vaca.” Aquele mondongo era muito festejado, sabia que iria garantir o alimento para nós” – comentou.

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Aos 12 anos na casa de um vizinho, fez a primeira escultura e, desde então, é inigualável em muitos detalhes. Com orgulho e emocionada diz que fez uma dedicatória para si na entrada da sua residência onde diz: morreu há mais de 200 anos, Derli Vieira da Silva, – Chapéu Preto -, o escultor que dominava como ninguém as várias matérias primas que existem. Nisto, cita: madeira, ferro, osso, chifre, canela de vaca e concreto armado.

Derli Chapéu Preto é mais reconhecido no exterior que no Brasil.
Derli Chapéu Preto é mais reconhecido no exterior que no Brasil.

A sapiência

Para toda a inspiração, ele cita que vê uma linha imaginária onde tudo fica facilmente entendível e como num passe de mágicas a obra fica pronta e sempre com detalhes ricos e únicos. Entre os trabalhos, um que se orgulha sendo mais recente foi a miniatura tem pouco mais de 10 cm de altura e foi feita da ponta de um chifre de boi manso, um autêntico gaúcho sorvendo um mate de perna cruzada. “Essa obra de arte no cifre como eu fiz, diante de uma pesquisa realizada pela Unipampa, não existe ninguém que tenha feito” – cita orgulhoso.

Entre os mais ricas sabedorias, sim, Chapéu Preto, como é conhecido é um homem que descreve sempre o quanto não teve muita oportunidade de estudo, porém, fez das suas dores, após a perda da esposa e da filha, que estão em casas especiais em tratamento há muitos anos, devido a problemas de saúde, um motivo para buscar conhecimento. Ele comenta que leu muitos livros, a maioria queimou no incêndio, todos adquiridos através de doações ou no descarte. Ao falar sobre a história de Alegrete e de muitas outras informações que salientam o conhecimento através da sua busca, ele impressiona com a simplicidade, mas de muita perspicácia e sagacidade. “Tenho o desejo de ser reconhecido enquanto estou aqui, já com meus 71 anos. De nada adianta depois que eu me for, receber homenagens e a valorização por toda uma história apagada dentro do Município, pois sou mais reconhecido fora do que aqui” – pondera ao salientar que financeiramente tem apenas um salário-mínimo.

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A conversa se estende e assunto, dos mais diversos, há de sobra para mais horas e horas. O escultor que chegou apenas na intenção de entregar um documento que ele julga muito importante, além de ter o pedido de veiculação aceito, tinha inicialmente o objetivo de ir até o supermercado e outros locais. Contudo, ao sair, aliviado disse o quanto se sentiu feliz por ser ouvido e, com a aproximação da noite iria retornar para casa e no outro dia buscar o mercado. “Eu acordo todos os dias por volta das 2h, fico me virando e às 7h já estou trabalhando.

Fico ali, até por volta das 15h quando vou para o banho e depois comer alguma coisa. Essa é minha rotina, de um apaixonado pelo que faz e por isso, não tenho sábado ou domingo. Sou um apaixonado pela vida, já perdi tanto que não posso perder a minha esperança e força” – acrescenta.

Mas antes de sair, as lágrimas voltam a embaçar o olhar pois o seu grande sonho é conhecer Israel e conclui: tô fazendo uma placa onde quero deixar o registro – “Me chamem de louco, mas burro não! E você, o que é?” – isso é por todas as ofensas que recebo.

Uma sumidade no que faz, o escultor alegretense está completando quase 6 décadas dedicadas à arte. Neste período coleciona milhares de trabalhos, dentre eles, mais de 42 obras no exterior e mais de 40 homenagens que recebeu de inúmeras pessoas, personalidades e políticos. A maioria, de pessoas que estão fora de Alegrete.

Flaviane Antolini Favero

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