Jovem trans tem dados vazados após alistamento militar: “Medo de alguém querer me matar”

Jovem, que acabou de completar 18 anos, mudou-se para a casa da tia após ter endereço divulgado

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Não bastasse o constrangimento de ter de se alistar no Exército, mesmo sendo mulher, a paulista Marianna Lively passou a sofrer perseguições transfóbicas na última quarta-feira, após ter seus dados vazados na internet. A jovem, que completou 18 anos no domingo, já registrou boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher e pretende entrar com ações na Justiça Militar. O objetivo de Marianna é que se apure se foram militares os responsáveis pelo vazamento. A história foi contada no perfil da jovem no Facebook e acabou ganhando repercussão nessa segunda-feira.

De acordo com Marianna, ao chegar no 4º Batalhão de Infantaria Leve, em Osasco (SP), na sexta-feira, ela foi bem tratada pelos militares que a atenderam e liberada em poucos minutos. Horas depois, porém, a jovem começou a receber mensagens e ligações em seu celular – na maioria das vezes, com teor ofensivo e preconceituoso. O que mais a preocupou foi o fato de estar, em alguns casos, sendo chamado de David, seu nome de registro.

– Na quarta-feira, mesmo, recebi cerca de 35 ligações, com o pessoal caçoando da minha condição de trans. Muita gente ligava e perguntava pelo David, outros só perguntavam quem estava falando e riam, outros diziam que eu era linda e pediam para me encontrar. Começaram às 14h e foram até as 23h. Ligaram pessoas do Ceará, do Rio, de São Paulo e de Brasília. Eu não entendi o que estava acontecendo – diz a jovem, em entrevista por telefone.

Depois de conversar com uma amiga, que disse ter recebido fotos e documentos da jovem em um grupo no WhatsApp, Marianna entendeu que havia sido exposta por alguém e que seus dados haviam se tornado públicos. No dia seguinte, ao lado da mãe, a jovem voltou ao batalhão para entender o que havia acontecido. Segundo ela, o capitão da base “pediu mil desculpas” e “disse que estava com vergonha do ato de infantilidade que o soldado, que ele sabia quem era, cometeu”.

– Ele me disse que era para eu esperar a poeira abaixar e tentar resolver isso pacificamente. Eu falei “não, vou resolver tudo que eu posso hoje, mesmo, e você vê o que você pode fazer, aí”. Disse que ia correr atrás dos meus direitos – conta Marianna, que começou a fazer a transição aos 15 anos e sempre recebeu apoio da família.

Na sexta-feira, conta ela, dois militares foram à sua casa, conversaram com sua mãe e tentaram convencê-la a ir até o quartel para “resolver tudo com uma conversa”. Marianna não estava em casa, e a mãe preferiu não acompanhar os homens.

De acordo com Patrícia Gorisch, advogada da OAB/Santos e presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que atua no caso ao lado de Ana Carolina Borges, da OAB/Bauru, os dados foram vazados por um militar. Segundo ela, o fato foi confirmado pelo capitão, que garantiu que as medidas cabíveis serão tomadas.

O Exército enviou nota a ZH, na qual garante que “não compactua com este tipo de procedimento e empenha-se, rigorosamente, para que eventuais desvios de conduta sejam corrigidos” e que “já tomou as medidas administrativas necessárias para o esclarecimento do ocorrido e os envolvidos serão responsabilizados por suas ações”.

– Meu medo é alguém com preconceito acabar fazendo algo comigo ou com a minha família. Querer me agredir, até me matar. Eu estou com medo mesmo. Chorei muito, muito, muito, muito. Mas a minha mãe fala: não adianta ficar chorando, tem que correr atrás – diz Marianna.

O próximo passo, de acordo com as advogadas que acompanham Marianna, é fazer um boletim de ocorrência no quartel onde o caso aconteceu (o que deve ser feito nesta terça). Depois, quem compartilhou as fotos no Facebook também deve ser indiciado administrativamente, com multa de até R$ 15 mil. O fato de a jovem ter sido exposta quando ainda era menor também pode render ações na Justiça, garante a advogada. Além de todas as medidas judiciais, o caso foi denunciado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Apesar do medo e da exposição, Marianna garante que não teve suas convicções abaladas pelo caso. Pelo contrário, a jovem diz que “não dá bola e segue o seu caminho”:

– Ser quem você é e dar a cara a bater ofende as pessoas, porque muitas não têm coragem de fazer o que querem. Nunca me afetei de forma drástica com a opinião dos outros. Sigo meu caminho, porque, se for para dar bola para o que os outros acham, eu não vivo.

Fonte: Zero Hora