Perder um filho é uma das experiências mais dolorosas que um pai ou mãe podem passar.
Mesmo que haja o conforto em palavras, gestos e tentativas de abrandar a dor de um coração quando dilacerado pela perda, em muitos casos, a despedida parece ir contra a “lei natural” da vida, são pais perdendo seus filhos. Não é fácil aceitar a inversão da ordem do ciclo.
Ela, mãe, está sofrendo. Ele, pai, está sofrendo, assim como irmãos e familiares mais próximos. São pais que acabam de perder um filho para a única luta que é impossível de ter uma vantagem. O filho amado está indo embora, em uma viagem às pressas, inesperada, sem tempo para dizer adeus. Um jovem com todas as alegrias e sonhos da sua idade e do seu tempo.
Alegrete, neste mês de julho, sentiu profundamente a perda de três jovens, 21, 22 e 27 anos. Dois(21 e 27) foram assassinados de forma violenta e cruel, assim como, a despedida de outro de 22 anos que também era pai de família, vítima de um acidente trágico.
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O que se vê são mães sendo amparadas e a expressão sempre é de que o que estão vivendo é uma tristeza incomparável.
O PAT propôs à psicóloga Thaís Campos da Cunha Severo que ela pudesse escrever sobre essa dor das mães enlutadas. Reafirmando que a solidariedade sempre será extensiva a todos os familiares e amigos, aos pais, irmãos, entre outros. Que, no devido tempo, eles encontrem motivos para a difícil superação dessa dor, hoje latente
A pior dor do mundo
-É com muita tristeza que aceitei o convite para falar sobre o processo de luto de mães, pois esse pedido veio através dos últimos acontecimentos trágicos em nossa cidade.
Para falar sobre esse processo de enlutamento, trouxe teóricos que falam a respeito do assunto.
Vivenciar a perda de um ente querido pode significar o enfrentamento de muitas dificuldades. O conjunto de reações diante de uma perda e a tentativa de reconstruir e organizar a vida são parte do trabalho de luto (Mazorra, 2009).
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Aceitar a realidade da morte, experimentar a dor por completo, procurar se ajustar à nova vida, integrar aspectos do ente querido falecido em sua própria identidade e encontrar significado na perda para iniciar novas relações são tarefas que podem ajudar o enlutado a reconciliar-se com a vida após a perda (Cohen, Mannarino, & Knudsen, 2004). Sendo o luto o resultado de reações individuais, ele ocorrerá sempre de forma diferente de pessoa para pessoa. A dor poderá reaparecer ao surgirem lembranças da pessoa que se foi, dependendo do relacionamento que havia entre o enlutado e o falecido (Webb, 2011).
No caso da perda de um filho, é necessário que os pais possam construir uma nova realidade sem o filho, desconstruindo todas as expectativas em relação a seu desenvolvimento e crescimento. O luto parental é complexo, não linear e contínuo, pois a perda rompe com o equilíbrio familiar e compromete a qualidade do ambiente (Carter & McGoldrick, 2001).
Muitas consequências negativas podem ser geradas na vida dos pais, em seu trabalho, no relacionamento conjugal e social. Eles precisam se sentir apoiados e seguros para não compreender a perda como um fracasso em sua função (Bittencourt, Quintana, & Velho, 2011).
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A família exerce importante influência na vivência do processo de luto e em sua compreensão. Seu apoio é essencial para os pais, bem como a existência de programas que ofereçam auxílio profissional para que eles possam se sentir amparados e compreendidos. Os enlutados devem ser encorajados a comunicar os próprios sentimentos (Parkes et al., 2011). A confiança no ambiente permite que eles tenham condições de agir de forma criativa e espontânea, conseguindo vivenciar o luto e dar continuidade ao seu desenvolvimento emocional (Winnicott, 2012).
Para Winnicott (2012), o desenvolvimento emocional ocorre a partir da interação contínua e criativa do indivíduo com o outro. Segundo ele, a mãe que é capaz de suprir as necessidades do filho, oferecer-lhe suporte físico e emocional (holding) e apresentar o mundo gradativamente, de forma que ele possa suportar, conhecer esse mundo, sem prejuízo ao seu desenvolvimento emocional. Por meio desse cuidado (inicialmente oferecido pela mãe, depois estendido a outras pessoas), a criança é capaz de amadurecer,
expressando seu potencial criativo.
A criatividade é essencial na elaboração das vivências da perda, pois, por meio dela, a realidade pode coexistir e ser suportada, sem prejuízos ao desenvolvimento emocional.
Dessa forma, além do apoio familiar e social, para elaborar o luto é necessário que o enlutado possa utilizar da própria capacidade criativa para reparar a perda sofrida. O uso da criatividade possibilita que o indivíduo possa ressignificar a perda e elaborar seus sentimentos, para que a dor não comprometa a sua capacidade de dar continuidade à vida.
Nesse sentido, a presença de um ambiente suficientemente bom permite ao enlutado a continuação do vir a ser, já que pode se expressar de forma criativa e espontânea. O trabalho do luto acontece quando o indivíduo consegue voltar a ser criativo, mesmo na dor da perda, e sentir que a vida vale a pena (Barone, 2004).
Dessa forma, pode-se entender que todo processo de luto é um aprender, ou melhor um reaprender a viver sem a figura afetiva. Esse processo varia de uma pessoa para outra podendo variar de 3 meses a 24 meses.
Quando se trata de perdas mais graves, como a morte de um filho, uma migração forçada ou até uma amputação, a sensação é mais intensa e demorada.
Um período de três meses a um ano é a media de duração do luto, mas pode chegar a até dois anos.
É importante que a família e amigos tenham paciência e empatia com a dor dessas mães enlutadas, paciência para ouvir suas queixas e memórias das vivências com o falecido, não julgar, nem dizer que a pessoa tem que esquecer ou superar, respeitar o sofrimento dessa mãe.
Deixo registrado meus sinceros sentimentos a nossas mães alegretenses que nesse momento sofrem a perda de um filho, diz Thais Campos da Cunha.