
Diz que ela é seu maior exemplo por tudo que já passou ao longo da vida. Às vezes, brincamos com ela, dizendo que a vida dela daria um livro ou até mesmo um filme, diz o orgulhoso neto.
Guilherme conta que avó Zolema enfrentou muitos desafios. Perdeu a mãe ainda na adolescência e teve que criar três irmãs sozinha. E aprendeu a ser dona de casa quando ainda era muito jovem. Um fato bem importante que o neto destaca, é que a avó não teve oportunidade de ir à escola, porque seu pai acreditava que o lugar de mulher era em casa, servindo ao homem. Mesmo assim, ela se auto alfabetizou, escondida, enquanto o pai estava fora. Ao longo da vida, perdeu cinco filhos e o marido.

A vó Zolema é natural de Cacequi, mas se diz alegretense de coração. Diz que conheceu um alegretense muito lindo (risos) com quem casou e teve filhos. Ele era servidor público, zelador.
A idosa conta que, quando era pequena, foi morar em Santa Virgem, município de Uruguaiana, junto com os pais e irmãos. A partir dos 10 anos de idade, começou a trabalhar na lavoura e lavar roupas na sanga junto com a mãe em Uruguaiana. “Eu trabalhava enquanto meu irmão aprendia a escrever e a ler. E, quando outro irmão estudava, eu cortava lenha, carregava água de balde e ajudava a mãe nos afazeres de casa. Não tinha tempo de me alfabetizar.”
Zolema diz que sempre alimentou o sonho de aprender a escrever, mas seu pai nunca deixou. Conta que ele dizia para a mãe que, para mulher, isso não fazia falta, e que caso ela aprendesse, mandaria cartas para namorados. “Meu pai era um homem muito machista, acreditava que o lugar da mulher era em casa, cuidando da casa”, pontua.

Com pai e as irmãs
Mesmo sem poder estudar, como tinha curiosidade, queria aprender e enquanto o pai trabalhava na lavoura, ela pegava escondido, com a ajuda da mãe, os materiais do seu irmão e tentava aprender. É uma história interessante, porque ela explica que a sua mãe cuidava pela janela, quando via o seu pai no portão, corria para avisar e Zolema, que guardava os materiais.
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“Deus me livre o pai chegar em casa e eu estivesse sentada com um livro nas mãos, seria espancada. Até rádio eu não podia escutar, não era coisa de mulher, segundo meu pai. Ela adorava ouvir as novelas pelo rádio, mas só era possível quando ele estava fora.
Aos 15 anos, já trabalhava em casas de família e chegava em casa e ainda ajudava a mãe nos afazeres.

Ao contar esses relatos, veio à sua memória o dia em que o pai dela chegou da lavoura e Zolema não estava em casa. Ela tinha 14 anos e havia ido colher guanxumas para fazer vassouras de mato para limpar a casa. Quando chegou do campo, o pai a esperou com um relho. “Essa foi a última vez que ele me bateu”, cita.
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Ainda em Santa Virgem, perdeu a mãe aos 20 anos, que morreu devido a um aborto, pois não sabia que estava grávida. Ela estava em Uruguaiana quando soube que ocorreria um confronto envolvendo a unidade militar em que um filho seu servia. Com o susto, sofreu um aborto.
Quando perdeu a progenitora, assumiu o papel de mãe das três irmãs e, no mesmo ano, a casa da família pegou fogo. Foi então que decidiram vir morar em Alegrete. Aqui, arrumou empregos, trabalhando às vezes em três casas, além de restaurantes, casas de família e hotel.
Vó Zolema, com todos esses compromissos de assumir a família, não tinha tempo para se divertir, pois cuidava da casa e, ainda mais, quando chegou à cidade, o pai se entregou ao vício da bebida, deixando quase tudo para ela.

Aos 80 anos
“Em uma certa idade, não me lembro exatamente quando, minhas irmãs começaram a trabalhar e ajudar em casa. Com o passar do tempo, casei, tive 10 filhos e perdi 5 deles, todos jovens entre 18 e 26 anos. Eu não tenho palavras para descrever o sentimento que é perder um filho. O primeiro, eu perdi um dia antes do meu aniversário. Se perder um já é difícil, imagine perder 5”, atesta a valente idosa que inspira o neto Guilherme.

O meu neto Guilherme era meu xodó; eu cuidava dele como se fosse um filho. Destaca que sempre teve a sorte de estar rodeada de pessoas especiais, e uma delas foi a minha grande amiga, a Vereadora Leoni Caldeira, que foi mais que uma amiga, me ajudou muito, especialmente em época de enchente.
“Eu sou católica, tenho uma fé muito grande e a minha força vem de Deus. Amo animais, plantas, olhar novelas e costurar.” Em 2021, ela teve covid e ficou uma semana internada no hospital. “Passei por muitas coisas, mas, graças a Deus, Ele tem me dado forças para continuar. Hoje, tenho 11 netos e 5 bisnetos”, diz a mulher guerreira de 80 anos.