
Um ano e cinco meses após um gesto que salvou sua vida, Felipe Cipolat, de 21 anos, abraçou pela primeira vez Marilene de Souza Rodrigues, viúva de Aldo Vargas Siqueira. Aldo, que faleceu aos 74 anos em junho do ano passado, cedeu sua vaga na UTI para Felipe, um ato de generosidade que, segundo os pais, foi decisivo para que o jovem pudesse sobreviver a uma grave condição de saúde.

Tudo começou com um procedimento aparentemente simples. Felipe sentiu dores em um dente e, no dia 16 de junho, passou por uma remoção de excesso de gengiva relacionada ao siso. Após o procedimento, Felipe começou a apresentar sangramento, inicialmente tratado como uma complicação menor. Contudo, o sangramento persistente levou a família a buscar atendimento médico, e a situação se agravou rapidamente.


Após ser atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), os exames revelaram níveis perigosamente baixos de plaquetas no sangue, indicando um quadro crítico que exigia cuidados intensivos. Durante sua espera por uma vaga na UTI, outro paciente também precisava de um leito urgente: Aldo Vargas Siqueira, que apresentava problemas cardíacos. Foi neste momento que Aldo tomou uma decisão que mudaria radicalmente o destino de Felipe: ele abriu mão de sua vaga na UTI para salvar o jovem.




Marilene lembra com emoção as palavras de Aldo naquele dia: “Eu quero que aquele menino vá na minha frente. Ele não está bem, se não for, pode não sobreviver.” Graças a esse gesto, Felipe foi transferido para a UTI, recebendo o atendimento necessário para estabilizar seu quadro. “Era como se ele soubesse que aquela decisão seria crucial para a sobrevivência de Felipe”, recorda Marilene. Aldo, que também conseguiu uma vaga na UTI algumas horas depois, faleceu de forma serena uma semana depois, deixando um legado de generosidade e empatia.
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Felipe foi diagnosticado com um subtipo raro de leucemia. Sua mãe, Ângela Cipolat, compartilha que, apesar das inúmeras dificuldades, sempre buscou transmitir força ao filho. Durante os meses de tratamento, que incluíram quimioterapia e transfusões constantes, Felipe demonstrou uma serenidade impressionante, fruto de sua fé. Ele nunca perdeu a esperança, mesmo nos momentos mais críticos, como quando perdeu temporariamente a visão e passou por procedimentos dolorosos sem anestesia devido à gravidade de seu estado.
Angela, muito emocionada, contou que, pela primeira vez, Felipe a viu chorar durante todo o tratamento.



O apoio da comunidade foi essencial. Campanhas de doação de sangue mobilizaram centenas de pessoas, garantindo o suprimento de plaquetas e sangue para o tratamento de Felipe. Seu pai, Adriano Cipolat, relembra com emoção o apoio recebido: “A solidariedade de todos nos deu força para continuar.”
Após a recuperação de Felipe, a família Cipolat decidiu encontrar Marilene e expressar sua gratidão pessoalmente. Com o auxílio de amigos e conhecidos, conseguiram localizar Marilene. Quando o contato foi estabelecido, a emoção foi imediata. “Comecei a chorar ao ouvir a voz de Adriano”, relata Marilene. No reencontro, ela abraçou Felipe e disse: “Ganhei mais um filho.”
Para Marilene, o gesto de Aldo reflete sua essência e sua fé, mesmo não sendo frequentador assíduo de igreja. Ela compartilhou que Aldo, seu marido por mais de 16 anos, sempre foi uma pessoa de grande generosidade. Em 2014, ele passou por uma cirurgia cardíaca delicada e ficou internado por nove meses. O médico havia dito que ele teria mais 10 anos de vida, mas Aldo faleceu após nove anos e meio. Marilene acredita que a decisão de Aldo de ceder sua vaga a Felipe foi providência divina, pois ele também conseguiu a transferência poucas horas depois. Ela relembra um momento em que Aldo pediu para orarem juntos, após uma semana na UTI, dizendo estar pronto para partir. Sua serenidade e altruísmo continuam inspirando sua família e agora também a família de Felipe.
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Marilene compartilhou uma experiência pessoal que reforça sua compreensão da angústia de Ângela. Quando um de seus filhos, aos 13 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória, ela desceu com ele no colo por quatro andares e entrou no primeiro carro que parou para levá-lo ao hospital. Até hoje, ela não sabe quem era o motorista, mas acredita que também tenha sido uma ajuda divina. “Eu sei o que é a angústia de ver um filho entre a vida e a morte”, disse, enfatizando que, para uma mãe, nada é impossível.
Hoje, Felipe está na fase de remissão do câncer e trabalha na redação de um livro para compartilhar sua história. O jovem, sempre sereno, transmite paz e gratidão a todos que o ajudaram em sua jornada. Para ele, cada desafio enfrentado o fortaleceu e reforçou sua fé.
Adriano recordou que, nos primeiros dias, os médicos chegaram a dizer que não havia mais o que fazer por Felipe em Alegrete, até mesmo as plaquetas estavam em falta. Foi então que houve uma grande mobilização, e o Hemocentro recebeu um número significativo de doadores. “Lembro que mandei um áudio chorando para um amigo, e ele colocou no grupo. Logo, a mensagem viralizou, e somos muito gratos a todos”, disse Adriano.
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A família Cipolat e Marilene encerraram o encontro emocionados, unidos pela certeza de que as ações de Aldo salvaram não apenas uma vida, mas também transformaram profundamente duas famílias. “Meu filho é um milagre, e isso não seria possível sem o coração generoso de Aldo e o apoio de todos que estiveram ao nosso lado”, conclui Ângela.

Para concluir, a família destaca que tudo aconteceu no tempo certo, com os medicamentos específicos para o subtipo de leucemia de Felipe, e que cada momento vivido foi uma demonstração de uma Ação de Deus. “Meu filho sangrava por tudo, pela boca, nariz, olhos, fezes… ficou sem enxergar por um período, perdeu a visão do olho esquerdo, mas a recuperação dele é o mais relevante”, afirmou Adriano, agradecendo a todos que auxiliaram. Eles também expressam sua gratidão aos profissionais do CTCriAC e da Hemato-Onco do HUSM.





Na saída, Felipe teve a oportunidade de conhecer a rádio Nativa FM e esteve no estúdio com Juliano Cristaldo.

Este reencontro simboliza o poder do altruísmo e da fé em momentos de adversidade, lembrando que, em meio às lutas mais difíceis, pequenos gestos podem mudar destinos e salvar vidas.