Bióloga, do Parové em Alegrete, ajuda preservar a biodiversidade do litoral do Brasil

Era final de verão, em 1988, quando saiu de Alegrete junto com a amiga Claudinha rumo a Porto Alegre. O objetivo era fazer cursinho universitário. Esse foi o início da história profissional da Bióloga alegretense, Sandra Antunes Severo que saiu do Parové, em Alegrete, para trabalhar pela preservação da biodiversidade do litoral do Brasil.

“Naquele dia, disse que já tinha uma certeza: iria passar no vestibular para biologia na Universidade Federal, pois o pai e a mãe tinham me dado a real: nós pagamos cursinho, mas tu tens obrigação de fazer universidade pública. E assim eu estudei muito para cumprir a minha parte: de 8 a 12 h por dia. Estudava sozinha e também em grupo: morando no Bomfim, tinha uma galera de amigos oriundos do “baita chão” que também faziam cursinho. -Nessa época, chorava também, especialmente aos domingos, assistindo “Galpão Crioulo” na TV, quando a saudades de casa aumentava.

 

Ao iniciar sua vida acadêmica na UFRGS, um novo mundo se descortinou: conhecimentos, descobertas, pesquisas trabalhos de campo e novos amigos, os quais fazem parte do seu círculo de amizade até hoje. -Meu sonho era ser bióloga marinha e no 2º semestre eu já estava fazendo estágio voluntário no Laboratório de Zoologia, onde eu trabalhava com fauna bentônica que são os animais que vivem no fundo de lagos e mar.

Nas férias de verão ela ia para Tramandaí e Imbé oferecer minicursos de biologia marinha para crianças que visitavam o CECLIMAR.  Sandra concluiu a licenciatura e bacharelado e emendou o Mestrado e no mesmo laboratório, pesquisou sobre um micro crustáceo típico das lagoas costeiras do litoral.

Foram sete anos dentro do laboratório acadêmico que trouxeram a certeza que seu propósito era trabalhar com pessoas, despertando-as para a percepção que a natureza é sistêmica. Assim, no final de 97, iniciou a jornada profissional como bióloga, na Ecocyclo Consultoria Ambiental, quando desenvolveu projetos de ecoturismo e proteção da mata atlântica em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. E um curso de extensão em Ecoturismo e Meio Ambiente, em Portugal a deixou ainda mais vibrante na profissão.

 

Uma curiosidade dessa fase é que prestou concurso público para biólogo na Prefeitura de Alegrete e passou em 1º lugar. Não esperava esse resultado e tão pouco tinha planos concretos de voltar, informa. Na sua ingenuidade juvenil imaginava continuar morando em Porto Alegre e trabalhar 3 ou 4 dias por semana na Prefeitura. Lembra que o Secretário Municipal de Meio Ambiente esteve em Porto Alegre, a época, para convencê-la assumir o cargo.

 

E o conhecimento só aumentava, e em parceria com um colega, também biólogo, fundou e dirigiu a ONG Sea Shepherd Brasil, com foco em conservação marinha.

-O meu antigo sonho de atuar como bióloga marinha começou a tornar-se realidade.  E assim morou  em Macaé, litoral do RJ, coordenando um Programa de Educação Ambiental chamado “Amigos do Mar”, onde circulava pelas escolas e comunidades pesqueiras, “pilotando” uma Kombi toda adesivada com ilustrações de animais marinhos. Por onde a Kombi passava era uma sensação, destaca.

 

Em 2004, a Bióloga mudou com a filha Carolina, à época com 2 anos, para o sul da Ilha de Florianópolis, onde continuou na ONG. Ao todo foram nove anos na Sea Shepherd, com trabalhos em 08 estados litorâneos, coordenando programas de educação ambiental com crianças, jovens, comunidades pesqueiras e capacitando voluntários para atendimento de animais petrolizados e/ou encalhados, em parceria com a Chevron Texaco. Foi muito trabalho voluntário e dezenas de histórias, tanto de perrengues quanto de conquistas, diz .

Em 2007, mudou para Garopaba – SC onde mora num lugar que a remete a infância e adolescência vivida no Parové.  Ja são 14 anos, no Projeto Ambiental Gaia Village, inserido numa área de 850 hectares com criação de búfalos, em sistema de pastoreio voisin (rotativo) e que tem por base o desenvolvimento e aplicação de boas práticas ambientais, seguindo os princípios da Fundação Gaia, tais como viveiro, adensamento de florestas, trilhas ambientais, além de ofertar cursos e receber grupos de escolas e visitantes.

Nesse tempo, ela coordenou o Programa de Educação Ambiental José Lutzenberger, desenvolvido desde 2001, contemplando 27 escolas de Garopaba. Foi um tempo de mão na terra, em que Sandra orientou a criação de hortas, espiral de ervas medicinais, composteiras, oficinas de alimentação saudável, consumo consciente e projetos de coleta seletiva.

 

Nesse mesmo período, mergulhou na comunidade, através da participação ativa em Conselhos, tais como Conselho Gestor da APA da Baleia Franca, Unidade de Conservação Federal gerida pelo ICMBio; e presidi o Conselho Municipal de Meio Ambiente.  Nesses espaços participativos, em permanente escuta e interlocução com a sociedade civil organizada, a iniciativa privada e o setor público, colaborou  para qualificar as decisões e aprofundar  conhecimentos em mediação de conflitos.

 

Como resultado, a Bióloga contribui para a criação e também revisão de políticas públicas: Plano Diretor, Plano Municipal de Saneamento, Plano Municipal de Arborização Urbana, IPTU Verde, Calçadas Acessíveis e Parklets.

 

E em 2020, a experiência na Secretaria Municipal de Planejamento Territorial e Meio Ambiente despertou seu lado urbanista e o interesse pelo tema da regularização fundiária urbana. -Amo ser bióloga, mas se um dia eu tiver coragem de voltar para a Universidade, certamente será num curso de arquitetura e urbanismo, desde que eu não precise fazer cálculos, desenhar … risos…

Todo esse movimento e aprendizado a conduziu a um regresso às origens da sua vida profissional, iniciada lá em 1997, pois voltou a atuar como consultora ambiental na área de Regularização Fundiária Urbana, licenciamento ambiental e projetos urbanísticos. O trabalho consiste em contribuir para minimizar o imenso passivo ambiental e social, resultante da falta de planejamento das ocupações humanas nos ambientes urbanos. “Pois, entendo que não é possível haver desenvolvimento econômico e social sem observância às leis da natureza e todo arcabouço jurídico da legislação ambiental”.

-Viver em Santa Catarina, num município turístico, me dá o sentido de urgência da necessidade de repensarmos as cidades: as pessoas estão migrando massivamente para o litoral, em busca de qualidade de vida, especialmente em tempos pandêmicos. Meu propósito é estimular a criação de políticas públicas que qualifiquem os centros urbanos. Que as cidades sejam melhor planejadas, mais humanizadas. Que sejam lugar de trocas comerciais, mas também de afeto, bem-estar e não meramente um aglomerado de pessoas”

 

E entre um sonho, um trabalho, uma utopia, segue

de longe acompanhando os principais acontecimentos de Alegrete, aqui no Portal, e fica encantada com algumas ações e projetos que vem sendo implantados pelo poder público e sociedade civil organizada. De vez em quando retorna à sua casa de origem. Hoje tem apenas o pai e tias vivendo em Alegrete.

-Em agosto, já vacinada, pretendo visitá-los para matar as saudades deles e dos amigos. -Preparem o chimarrão e reforcem a adega de vinhos, diz a sorridente Sandra que iniciou este sonho no Parové, quando era guria, aqui em Alegrete.

E realiza dia a dia a missão de deixar um planeta melhor a todas as gerações.

Vera Soares Pedroso

Fotos: arquivos pessoal antes da pandemia