No último dia 18, no Salão da Paróquia do Passo Novo, foi realizado o lançamento do documentário Chão Batido – o resgate de uma história. Esse documentário foi pensado e criado pela alegretense Merlen Alves, professora, escritora e ativista cultural que reside em Alegrete.
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Merlen conta que sempre quis escrever sobre o Chão batido, salão de baile criado por seus avós, Euclides Alves da Silva e Maria Bitencourt Alves, mas que não tinha muita informação que gerasse um livro.
Viu uma oportunidade quando abriu o edital da Semana da Arte e Cultura de Alegrete, onde se aventurou a escrever o projeto como obra cinematográfica. Para isso contou com dois amigos na produção: Alisson Machado, assessor de comunicação na prefeitura de Alegrete e videomaker, e Paulo Amaral, professor de história e agente cultural do SESC.
“Sabemos que em um passado não muito distante, negros não eram bem vindos em CTG’s ou clubes sociais por causa do racismo incrustado na sociedade. Essa segregação ocasionou a criação de vários espaços culturais para que um povo estigmatizado por causa de sua cor pudesse confraternizar com os seus”, explica.
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No Passo Novo, não foi muito diferente e a escritora Merlen quis contar essa história por meio de um documentário. Ela conta que visava desde o início que o Chão Batido fosse reconhecido não apenas como um salão de bailes onde muita gente passou e tem história para contar, mas sim como um local cultural de resistência de povos negros, que precisaram criar seu espaço para poderem confraternizar com a família.
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O local acolhedor, criado e mantido por um núcleo familiar estimado, colecionou muitas histórias, sem distinção de cor, raça, etnia ou classe social e é com esse documentário que Merlen e sua equipe pretendem reviver (e quem sabe, reerguer) o Chão Batido.
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“A área foi cedida pelo Dr Wilson Homero Dorneles Crespo, a quem muito a localidade deve por sua efetiva participação no desenvolvimento desse distrito, foi ele meu pai de criação e proprietário do terreno que permitiu a realização da obra e também da moradia e que até hoje meus familiares residem, ali foi erguido o Chão Batido, um espaço aberto onde todos eram bem vindos, aglutinou alunos da Escola Agrícola, hoje Instituto Federal de Alegrete, e adjacências como Manoel Viana e São Francisco de Assis. Tantas coisas boas lá se passaram e hoje somente “recuerdos” ficaram das boates, bailes gaúcho, festas juninas, aniversários com jantares dançantes dos que eram do mês que reuniam várias família como: Bitencourt, Alves, Hoffmann, Rohan, Fredo, Sitó, Machado, Vasconcelos, Saroto, Pereira, Almeida, Fernandes, Carneiro, Da Luz, Soares, Caminha, Bica, Ustra, Bueno, Cunha, Crespo, Lima, Vieira, Serpa, Marcuzzo, Santana, Perin, Guterres e outros tantos que a memória possa ter deixado de fora, porém, saibam que cada uma dessas teve papel significativo na criação e existência do Chão Batido. Em nome dos patriarcas e demais familiares, muito obrigado por essa homenagem.”, explica José Euclides Alves da Silva, tio de Merlen.
Merlen saiu do Passo Novo aos 3 anos, adotada por outra família, e para contar essa história recorreu a antigos moradores do local e frequentadores do Chão Batido, como Luís Carlos Mosselin, um dos entrevistados. A fim de dar a versão da família, foram entrevistados Márcio André Bitencourt Alves e o Adão Bitencourt Alves, tios de Merlen, que emocionados contaram como o Chão Batido surgiu e se tornou tão querido por muita gente.
Para ter o embasamento histórico, trazendo questões pontuais sobre o racismo em épocas onde a cor ainda era predominante na sociedade, foi convidado o professor e educador social Jorge Sitó, que além do ponto de vista social, também foi admirador do Chão batido. A trilha sonora ficou por conta de Moacyr Severo, com a música Meu Passo Novo.
“O Chão Batido, apesar dos esforços da família, hoje se encontra inativo. “Mas o que eu pude comprovar é que o tempo foi cruel com suas estruturas, mas não com suas memórias. Estou maravilhada em ver o sucesso do documentário que em menos de 13 minutos, registra a trajetória e resistência cultural de uma família”, destaca Merlen.
O Chão Batido segue lá, e quem sabe toda essa energia carinhosa que se originou a partir do documentário, esse espetáculo de memórias revividas por mais de 500 pessoas, não ajude a reerguê-lo. “Precisamos preservar e levantar um espaço que tem história, uma história que não pode jamais ser esquecida.” se emociona a escritora Merlen Alves.
O documentário está postado nas redes sociais, e no YouTube, no link: https://youtu.be/u-_I-Y0mIeY
Merlen ressalta ainda, que esse projeto fez parte da Semana da Arte e Cultura de Alegrete, organizada pela Unipampa, sendo um projeto pensado pelo Coletivo Multicultural de Alegrete e tem a parceria da Deputada Federal Fernanda Melchionna.
Fotos: Alisson Machado