Mãe descreve a dilacerante dor da perda do filho para depressão e faz alerta a outras mães

Neste sábado (10) é dia de se colocar em evidência o combate ao suicídio.

No Dia Mundial de Combate ao Suicídio o PAT traz o relato de uma mãe que descreve o desafio diário de seguir em frente após a morte de um dos filhos.

Preciso deixar um sinal de alerta para outras famílias. Hoje, eu vejo que meu filho me deu alguns alertas e o principal: a internet e o preconceito são devastadores – disse Eliziane Santos Vargas, de 38 anos, ao PAT.

Ela procurou a redação após, mencionar um comentário em uma matéria divulgada sobre saúde mental. A alegretense sofre uma das piores dores, conforme descreve, a de perder a batalha contra a depressão que o filho estava e, desta forma, aos 19 anos Uelintom Felipe Vargas Trindade, tirou a própria vida, no quarto em que dividia com os outros dois irmãos, no bairro Vila Nova.

Biblioteca Municipal é um termômetro do movimento cultural de Alegrete

Casada com Marcos Bilhalva, eles têm mais três filhos: João Gabriel de 23 anos, Ruan Marcos de 18 anos e o caçula, Micael de 13 anos. Uelintom era o segundo filho do casal, hoje, estaria com 22 anos.

A infância e a adolescência

Sobre a infância e a adolescência do filho, Lizi como é conhecida, disse que Uelintom sempre foi um menino adorável. Jamais brigou com os irmãos ou com qualquer outra criança, fez parte do projeto Bombeiros Mirim, de um outro projeto da Igreja que auxiliava pessoas, pois ele sempre foi apaixonado por auxiliar os outros e, principalmente tinha um fascínio por animais, música e livros.

Mas o filho sofria muito bullying, pela forma de se vestir. A partir dos 14 anos, ele adotou a roupa preta e tinha o seu jeito peculiar. Mas a grande questão de tudo, segundo Lizi, foi o acesso às redes sociais e à internet.

“Meu filho era o menino que brincava na rua, jogava bola e tinha uma vida saudável. Mas na minha inocência, devido à insistência dele de que os amigos tinham celular, eu dei um pra ele e outro para o irmão mais velho. Ele deveria ter cerca de 16 anos. A partir deste momento, perdi meu filho para esse mundo cruel que vive no submundo da internet. Sempre julguei que Uelintom estava mais seguro em casa, pois o refúgio dele passou a ser o quarto e o celular. Mas eu não imaginava sobre o que ele pesquisava, quais eram as postagens no facebook. Meu filho me bloqueou, não via as postagens dele, mas o jeito quieto e amoroso, nunca mudaram e eu não vi os sinais”-comenta.

No Setembro Amarelo, jovem é salva na Ponte por Guarda Municipal e ciclista

Um dos fatores na adolescência que teria influenciado muito, teria sido a rejeição de algumas pessoas próximas da família. “Ele amava abraçar e conversar com os familiares e um dia ele chegou em casa dizendo que estava sendo discriminado pela maneira que se vestia, todo de preto, mas que não era um marginal, uma pessoa ruim. Recordo o quanto aquilo doeu nele”- relembrou.

Sonhos

Lizi disse que um dos sonhos do filho era ingressar na carreira militar. Tanto que ele tinha o cabelo mais comprido e, quando chegou na época de se alistar, cortou. Mas não foi aceito e isso gerou um grande transtorno. “Meu filho não teve oportunidade pela forma que a sociedade enxerga os adolescentes e muitas vezes julga sem dar a mínima chance. Ele começou o tratamento contra a depressão com 16 anos, depois de passar por psicólogo e psiquiatra. Mas isso não foi suficiente, embora eu tenha sido psicóloga, mãe e amiga, não consegui evitar que o pior acontecesse. Não há uma rede maior para as pessoas com depressão. Elas precisam ser ouvidas não apenas no mês de setembro. Vejo muitas bandeiras quando chega o Setembro amarelo ou quando um jovem tira a própria vida, mas isso acontece por uma ou duas semanas, depois tudo cai no esquecimento, mas as pessoas que estão doentes, elas precisam de ajuda o tempo todo. Eu aprendi isso com a pior de todas as dores, por esse motivo, resolvi falar e fazer o alerta para que os pais, observem quem são os amigos dos filhos, o que eles estão assistindo, se mudam o comportamento, se estão indicando qualquer sinal que possa indicar a depressão ou alo pior”- enfatiza.

O tratamento

A alegretense disse que o filho usou várias medicações, mas a maioria, precisava ser adquirida por eles, pois não tinha no Sistema Único de Saúde. Mas Uelintom sempre se mostrava muito amoroso, tranquilo. Foi o filho que jamais deu problemas aos pais. “Desde que ele nasceu, mesmo sendo de sete meses, não chorou, nunca me deu trabalho. Era uma criança que dividia os brinquedos, cuidava dos irmãos, era estudioso, gostava muito de ler, de tocar violão e cantar(era autodidata). Fazia uns desenhos com muita perfeição.

No Setembro Amarelo: um clássico exemplo de como vencer a depressão

Depois que ele já estava fazendo uso de medicamentos para depressão, um dia eu vi o meu mundo cair por terra ao me deparar com os braços dele cortados. Ele se automutilava, mas eu não sabia. Como tinha o hábito de usar camisetas manga longa, inverno e verão, eu não visualizava. Foi uma batalha que também precisei lutar.

O suicídio

Embora muitas pessoas julguem que o tema não deve ser abordado, já houve várias pesquisas que salientam o quanto essa questão de saúde pública deve ser sim, cada vez mais debatida.

No dia 15 de setembro de 2019, um domingo normal, para a família, como sempre, a rotina era o almoço na casa da avó, neste caso, a mãe de Lizi. Ambas as residências no bairro Vila Nova, porém, a casa de Lizi era algumas quadras de distância, mesmo assim, sempre era comum, ela e o esposo irem primeiro e depois os meninos. “Eu e meu esposo chegávamos primeiro na casa da mãe, eles ficavam dormindo(os três filhos que ainda estavam em casa. O mais velho já era casado). Depois, perto do meio-dia, chegavam para almoçar.

Neste dia, Uelintom, deu um beijo e um abraço nos irmãos e disse que iria ficar um pouco mais em casa. Como ele sempre dizia que os amava e fazia esse mesmo ritual, nada de diferente, até então. Mas, o almoço ficou pronto e, ele não apareceu, eu liguei e não atendeu. Foi então que meu marido foi até a nossa casa, para buscá-lo. Chegou lá, e o encontrou sem vida, no quarto deles. Meu filho tirou a vida dentro do ambiente que ele mais amava e que há quatro meses tinha sido reformado e os móveis tinham sido todos trocados como eles queriam, para dar mais conforto aos três. Quando eu percebi que meu marido ligou para meu irmão e tinha algo errado, eu cheguei na casa e ele já estava no chão. Foi a última vez que eu entrei na minha casa. Do jeito que eu estava eu fiquei, apenas com a roupa do corpo. Nunca mais consegui retornar. Meu marido foi quem fez a mudança sozinho, foi ele e os outros filhos mais velhos que doaram as roupas do Uelintom. Fomos residir com os meus pais. Nossa casa foi vendida e os móveis também, pois a dor é imensurável e não consegui voltar.

Mike tinha só 17 anos, um Mustang 68, mas não era feliz; a tragédia dele inspirou o mundo

A despedida foi muito dura. E essa situação afetou toda família. Meu irmão mais novo que tinha quase a mesma idade dele, entrou em depressão, meu filho mais velho também, eu entrei em depressão, crises de pânico e ansiedade. Meu pai que tinha sido diagnosticado com câncer, tinha muitas chances de cura, mas ele era um segundo pai para o Uelintom. Não resistiu e faleceu ano passado, sei que a doença o afetou, mas o lado emocional, muito mais.”- pontuou.

Neste sábado (10) é dia de se colocar em evidência o combate ao suicídio.

Os sinais

Hoje, Lizi que sempre teve muita fé e todos os filhos se criaram acompanhando a igreja evangélica, acredita que tudo teve uma enorme consequência em razão da internet. Por muito tempo, o que pensava ser uma proteção por ter o filho dentro de casa, depois por muitos anos se sentiu culpada por ter presenteado o filho com celular.

Um dos sinais que ela disse que não percebeu foi a forma em que o filho ficou mais quieto, passou a deixar de gostar de estudar e mudou os hábitos. Muito mais calmo, mas isso era dele, de falar pouco e demonstrar muito amor.

Na semana antes de tirar a vida, Uelintom chamou a mãe para mostrar uma notícia em que um pastor havia tirado a própria vida. Neste dia ele indagou o que teria levado aquele homem que conhecia tanto Deus a fazer algo contra si e alertou: mãe, eu penso em fazer isso, mas sei que a senhora não iria suportar e lhe amo muito. Na mesma hora, Lizi disse que ele não deveria comentar algo assim, o abraçou e demonstrou todo o amor de mãe afirmando que jamais iria se recuperar de uma situação como aquela. Era um sinal, que ela não percebeu na época, acrescentou.

“Teve um dia que colocamos um lençol na grama e ficamos conversando, olhando para o céu. Ele questionou o que teria depois das estrelas e pontuou que um dia iria descobrir”, talvez um outro sinal, argumenta.

Uelintom também comentava com os amigos que iria fazer algo contra si, mas nenhum acreditava e, na manhã de domingo, teria feito uma ligação para uma pessoa que teria, em tese, assistido o que ele fez. Embora tivesse tentado avisar outras pessoas para irem até a casa, não obteve respaldo.

Samu Mental, BM e populares salvam uma jovem na Ponte Férrea

A polícia, diante do laudo pericial no celular de Uelintom, falou aos pais que ele assistia muitos vídeos e jogos de desafios, todos com o mesmo propósito que levavam o máximo de informações para que pudesse fazer algo contra si. Um poeta, por gostar muito de leitura, posteriormente ao ocorrido, ela localizou alguns poemas do filho que falam de empatia, dor e de rejeição. Em uma foto em que ele está dentro de uma lixeira, descreveu: voltando ao lar. Hoje, ela avalia que era assim que ele se sentia muitas vezes, mas tudo para muitos que vivenciavam essas situações, não passava de uma brincadeira.

“Meu filho era um sonhador, um menino de ouro, que não suportou alguns desafios da vida e, se sentia muito rejeitado, além de não ter tido as oportunidades quando muito procurou pela forma que se vestia. Sempre foi marginalizado, sem ser um marginal. Era um menino do bem, que se perdeu em um mundo de desafios mortais na internet imaginando que aquilo, assim como, a auto mutilação iriam amenizar os sentimentos de tristeza quando estava deprimido. Ficamos sabendo depois, que há cerca de 15 dias ele não fazia uso da medicação para a depressão. Mas todas as manhãs eu cobrava para que ele tomasse e, acreditava que estava fazendo isso. Por esse motivo, só desejo deixar o alerta, pois eu passei a escrever um diário, a partir do segundo dia da perda dele é uma das formas que eu tenho de viver meu luto. Mas os pais precisam estar atentos aos filhos e a todas as pessoas que têm depressão, todo cuidado é pouco e os sinais podem ser sutis, mas é preciso entender que essa pessoa precisa de ajuda. O meu desejo é um Ong na rede de saúde que possa acolher, com muito mais oficinas de recreação com mais profissionais para ouvi-los e que os medicamentos pudessem ser ofertados gratuitamente, pelo menos os principais. Pelo menos os do meu filho, sempre foram pagos. Os que o SUS oferece, o organismo dele não se adaptou, mas a medicação pública não passa de duas opções- finalizou.

Se inscrever
Notificar de
guest

0 Comentários
Comentários em linha
Exibir todos os comentários