A alegretense que luta pela plenitude de defesa e do cumprimento da Lei de Execução Penal

Jo Ellen Silva da Luz, 39 anos, é filha de José Joel Freitas da Luz e Sandra Mara Silva da Luz.

Estudou no CDC, ingressou na URCAMP, e hoje é pós graduada em direito civil e processo civil pela Universidade da Região da Campanha. Possui pós graduação em direito penal e criminologia pela PUC de Porto Alegre.

Atualmente é a presidente do Conselho da Comunidade, do GAPEA (Grupo de Apoio ao Presídio de Alegrete), e da Comissão dos Direitos Humanos da OAB Alegrete.

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A alegretense possui artigos publicados em livros e frequentemente participa como palestrantes em eventos da área.

Jo Ellen iniciou sua trajetória aos 17 anos, quando escolheu cursar Direito, desde então, nunca mais parou. Na faculdade conheceu diversos ramos das ciências jurídicas, porém, a paixão à primeira vista foi por Direito Penal e Processo Penal.

“Ouvi de muitas pessoas que eu não atuaria na área penal, que não é um ambiente bom para mulheres e que provavelmente não teria maiores chances, porém, jamais dei ouvidos a esse tipo de comentário e comecei a trilhar meu caminho”, recorda Jo.

O estágio na Defensoria Pública e no Mistério Público, foi essencial para seu desenvolvimento acadêmico e pessoal. “São instituições que pelo excelente trabalho que desenvolvem, acabam por moldar nossas habilidades”, explica.

Já na formatura, ela estava convicta do que iria fazer. Logo passou na prova da OAB, e com o número profissional foi ao encontro da advocacia criminal.

“Não faltaram palavras preconceituosas para desestimular, comentários maldosos e uma dose de escárnio. Posso dizer que muitas vezes não foi fácil, mas comecei a advogar e tive certeza do que eu queria”, destaca a profissional.

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E, assim, Jo Ellen se tornou uma conceituada criminalista, com um trabalho elogiado. “Graças a Deus sempre tive o apoio da minha família e dos meus fiéis amigos, era que o me bastava e me basta até os dias atuais. Lembro-me de pegar minha carteira e ir para o Forum, no endereço antigo, bater na porta do Juiz da Vara Criminal e ter uma conversa franca com o mesmo, assumindo todos os riscos em pedir a oportunidade de atuar como dativa em processos criminais”, relembra.

Jo Ellen diz que não poderia ficar brincando de casinha, ou esperando os clientes caírem do céu. Foi atrás do que sonhava e queria.

“As coisas começaram devagar, o juiz da época, Dr. Sandro começou a me chamar para fazer as audiências, casos de colidência ou quando a Defensoria Pública não poderia atuar. Não foi fácil, pois tudo que eu sabia era conhecimento teórico e, diga-se de passagem, a teoria não é definitivamente como a prática. Contei com a paciência do juiz, do promotor e dos advogados mais experientes para me ensinar”, conta.

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Determinada no que almejava e queria, a advogada passava incontáveis tardes na sala de audiência, aprendendo com a realidade e lapidando a profissional que estava nascendo.

Com o passar dos meses as coisas foram progredindo e melhorando, os clientes começaram a aparecer e efetivamente contratar seus serviços.

Três meses depois de começar a advogar, aceitou o maior desafio da sua vida: o júri.

“Mal eu sabia que o Tribunal do Júri foi, é e sempre será a minha mais profunda paixão dentro do Direito Criminal. Tive medo, senti receio, passei por todos os sentimentos possíveis para esse primeiro passo, mas aceitei o encargo. Recordo-me de muito estudo e preparação para esse júri, confesso que quando pisei no plenário pela primeira vez, senti a soma de todos os medos, mas usei isso para me alavancar, pois sempre soube que para ser um bom criminalista eu teria que construir a carreira dentro do plenário, pois ele é o coração do processo penal. No fim, tudo deu mais do que certo, meu primeiro júri e minha primeira absolvição”, se orgulha a alegretense.

Foi ali que ela conheceu a sensação que cita como “indescritível”, a de devolver a liberdade para alguém. “Não há palavras que possam descrever a sensação, comecei minha trajetória em plenários”, destaca.

Até o último dia 30 de novembro, Jo Ellen havia trabalhado em 80 júris, e se encaminha para o 81º e o frio na barriga, ela assegura que é o mesmo da primeira vez.

Já são 16 anos de carreira, e nesse tempo todo ela conta que aprendeu a duríssimas penas que ser mulher e ser criminalista nunca seria fácil.

“Não há espaço para covardia. É uma profissão dominada pelos homens, porém não poderia desistir do meu objetivo. Sofri inúmeros preconceitos, ouvi de pessoas que jamais faria o trabalho como um homem faria; tais pessoas estavam certas, jamais poderia fazer o trabalho como os homens, até porque sou mulher, porém uma mulher que sempre lutou com todas as forças para construir uma carreira, uma mulher que doou muito do seu tempo ao estudo e ao trabalho, então tive certeza que esse seria meu lugar e essa seria sempre a minha raiz”, assevera uma mulher empoderada.

A Dra. Jo Ellen começou a frequentar o presídio, trabalhar diretamente com os apenados, desenvolveu uma relação mais direta com a casa prisional.

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“Perdi as contas de quantas tardes eu passei dentro do presídio, quantos atendimentos feitos e demandas aceitas nesse lapso temporal. Integrei o Conselho da Comunidade ,órgão de execução penal, que atua diretamente dentro dos presídios e com isso desenvolvi um trabalho mais voltado a questão do cárcere”, explica.

Como presidente do Conselho da Comunidade, periodicamente ela está no Presídio, participa das fiscalizações realizadas, bem como presta auxílio em todas as demandas prisionais possíveis.

“Sou grata à colaboração e trabalho irretocável dos agentes e policiais penais, pessoas que fazem verdadeiros milagres dentro de um Presídio como o nosso”, sentencia.

No presídio, ela lida diariamente com diversos problemas, desde a situação de superlotação, tendo em vista o descaso do Estado com a construção do novo presidio, até a atual situação, qual seja, rede elétrica necessitando de uma reforma urgente.

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“Lidamos com aquela parte da sociedade que a maioria das pessoas quer esquecer que existe, varrer para debaixo do tapete ou eliminar; lidamos com problemas que ninguém fez e faz questão de resolver. É preciso lembrar que cedo ou tarde os apenados irão retornar à sociedade e se não forem ressocializados, problemas sempre irão persistir. O que a maioria das pessoas não entende ou não faz questão de entender é que não buscamos impunidade ou que as penas não sejam cumpridas, muito pelo contrário, o que queremos é que as penas sejam cumpridas na forma que é prescrita em lei”, desabafa.

Ao trabalhar dentro do presidio, a advogada criminalista percebeu a necessidade veemente de que a LEP ( lei de execução penal) seja aplicada.

“Meu trabalho nunca se resumiu a defesa criminal somente, mas em colaborar de todas as forma possíveis para que o cumprimento de pena dos apenados seja o mais adequado, com isso ajuda-se a execução da pena, ajuda-se o trabalho exercido pelos agentes e policiais penais, inclusive trazendo dignidade mínima aos presos e respeito aos agentes e policiais penais”, menciona.

“A verdade é uma só, ficar de braços cruzados não é alternativa viável. Atualmente, como presidente do COSECOM (conselho da comunidade) tenho participado de todas as fiscalizações e reuniões dentro do presídio, inclusive audiência pública, as melhorias atuais na estrutura do presídio, o que acaba por refletir numa massa carcerária mais calma só está sendo possível pelo trabalho incessante dos agentes e policiais penais e esforço ininterrupto do Juiz da Vara Criminal, Dr. Rafael Echevarria Borba, bem como das instituições do Ministério Público e Defensoria Pública”, pondera.

Ela destaca ainda, que a crise no sistema prisional na Comarca é seria e verídica. Cita a omissão por parte do Estado como uma das coisas mais lamentáveis que tem presenciado.

“Diante deste cenário, não posso ficar parada, dentro da advocacia criminal e como participante ativa do trabalho dentro da casa prisional, irei sempre tentar fazer o que for preciso para ajudar todos os envolvidos”, atesta.

A advogada Jo Ellen reitera que advocacia não é trabalho para covardes e a advocacia criminal menos ainda, acentua.

“Nunca me arrependi, nem por um segundo de ter escolhido essa carreira, mesmo tendo passado por dificuldades e ainda ser alvo de preconceito por ser mulher criminalista, vale a pena, vale a pena lutar pela carreira, sonhos e pelo trabalho que exerço, acho que tudo se resume em jamais desistir de nada, jamais abaixar a cabeça e sempre seguir em frente diante do que for”, fala em tom forte.

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“Desejo ver mais mulheres engajadas na profissão, sei que muitas almejam a advocacia criminal, então digo: fé e siga em frente, não desistam, sejam as profissionais que sempre desejaram, não se deixem abalar pelos comentários maldosos. Eu sou a prova viva de que vale muito a pena trabalhar com aquilo que amamos”, resume a profissional que aceitou a reportagem especial com o PAT, depois de um questionamento: sobre por que eu?

Pela carreira sólida, o trabalho elogiado, ela foi entrevistada e logo disse que um bom profissional do júri não precisa gritar. “É extremamente deselegante e desnecessário, até mesmo porque os gritos em plenários só servem para atordoar os jurados e tornar o trabalho árido. Sou adepta da CNV (comunicação não violenta), o que não quer dizer que não seja firme e aguerrida”, argumenta.

No júri, a profissional procura apresentar suas teses de forma coerente, clara e direta, buscando traduzir o juridiquês para que os jurados, quando decidirem tenham total clareza, é assim que tem traçado sua trajetória de sucesso.

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“Sempre tenho firmeza ao sustentar uma tese, ao exercer a defesa técnica, para isso sempre estudo profundamente o processo, aliás dominar o processo de capa a capa é o mínimo que qualquer criminalista deve fazer. Busco sempre trazer opções alternativas, absolvição nem sempre é possível. Porém atenuar a pena, em muitos casos já é um bom resultado”, atesta.

Outra coisa que ela sempre faz questão, é deixar tudo muito claro para o seu cliente. “Pode ocorrer o pior resultado. Jamais prometo coisas que não existem, isso é temerário e tem um tom de má-fé, pois como garantir um resultado que não depende só de nós, advogados, mas de sete jurados. Eis a lógica, então sempre tratar o assunto com seriedade e verdade e não com promessas tolas e vazias”, frisa.

Dentre os 80 júris já realizados, ela conta que existe um que será refeito, por ordem do STJ, caso de repercussão em Alegrete e no qual irá atuar novamente na assistência de acusação, porém como se trata de processo não aprazado para plenário, preferiu por ética não comentar, mas adiantou que será um júri bastante pesado e de trabalho intenso.

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Dos que já estão concluídos, ela recorda um plenário que assumiu basicamente aos 45 minutos do segundo tempo, por uma questão muito delicada envolvendo uma colega, titular da causa, acabou sendo procurada pela mesma e em conversa ela pediu que assumisse a defesa em plenário de um jovem.

O caso tratava de decapitação, vítima encontrada na região rural, decaptada. “Com certeza essa defesa me marcou, pois foi construída arduamente e o plenário foi muito aguerrido, mas obtive o resultado excelente, pois o rapaz era confesso e o resultado poderia facilmente acarretar uma pena pesada, porém a tese de homicídio privilegiado foi acolhido o que tirou o caráter hediondo da pena e restou em uma pena baixa, um excelente resultado”, destacou a advogada.
Em outros casos recentes, por questão de ética e não estarem em trânsito em julgado, ela preferiu não comentar.
A advogada afirma que cada um dos 80 júris foram especiais, cada um guardou sua dificuldade, suas peculiaridades e sempre foram feitos de trabalho incessante.

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“Exerço defesa e também acusação, ambos os lados guardam dificuldades e apresentam desafios, é preciso sempre estar preparada e com o estudo em dia” resume.

E é embasado nesta frase que o trabalho da advogada criminalista Jo Ellen da Luz, se resume. Desafios e estudos permanentes, aliados a fiscalização de que os apenados cumpram suas penas como determina a Lei.

Fotos: acervo pessoal

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