Enfermeira alegretense é autora de estudo científico que mapeia sequelas pós-Covid

Ao se contaminar com a Covid-19, passar por períodos graves com uso de O², internação e sofrer com graves sequelas, uma enfermeira alegretense que reside em Bento Gonçalves, há sete anos, realizou o trabalho de conclusão de curso Long Haulers sobre: a persistência dos sintomas e as sequelas deixadas pela Covid-19.

Camila Barrios Anjos da Mota
Camila Barrios Anjos da Mota

Camila Barrios Anjos da Mota é graduada em Enfermagem pelo Centro Universitário Cnec de Bento Gonçalves e Pós-graduanda em UTI Geral e Gestão da Assistência ao paciente crítico – Centro Universitário UniFaveni.

Em entrevista ao PAT, Camila falou sobre a persistência dos sintomas e as sequelas deixadas pela Covid-19.

Na atual pandemia, toda informação sobre o Coronavírus, tipos e subtipos, e a doença derivada do vírus – Covid-19 – é de suma importância para padronização dos cuidados e protocolos, tanto para proteção quanto para tratamento – descreve.

Iniciada no ano de 2019 na China e com sua chegada no Brasil em 2020, a pandemia por Covid-19 instaurou pânico, novas medidas e principalmente medo do desconhecido com o qual haveríamos de lidar. Muitos estudos envolvendo pandemias anteriores foram referências ao combate dessa nova doença.

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Durante o ano de 2020, as pessoas passaram a conhecer e entender o que a doença poderia ou não causar, tanto na fase aguda como na pós-aguda de Covid-19 e então, a partir disso e com o histórico de muitos sobreviventes da doença, passou-se a perceber que além de causar sérios danos em sua fase aguda, apresentara também sequelas, essas devido a uma infecção multissistêmica causada pelo vírus na fase aguda.

Quanto mais a Covid-19 fazia vítimas, os sobreviventes tiveram que se adaptar a uma nova vida na dita fase Síndrome pós-Covid-19 ou Covid longa, com isso, equipes e sistemas de saúde, até então, preparados para tratar a fase aguda, precisaram se adaptar às novas demandas com o surgimento das sequelas.

Em setembro de 2020, a enfermeira Camila foi acometida pela Covid-19, iniciou isolamento residencial no dia 14 e, após sete dias necessitou de internação e aporte de Oxigênio.

Ao longo da internação de cinco dias, a tomografia mostrou acometimento de 50% dos seus pulmões, necessitou de fisioterapia, pois não conseguia realizar pequenos esforços pela dispneia que ocorria mesmo em uso de O2.

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Com o desuso da força muscular aliada ao vírus, precisou de recuperação após a fase aguda. Muitos outros sintomas persistentes continuaram a fazer parte do seu dia a dia como, a dispneia aos esforços, dores musculares, perda da força muscular em membros inferiores e superiores, perda de sensibilidade em regiões do corpo, astenia (fraqueza), cefaleia constante, além dos sintomas psicológicos já muito relatados na literatura, como Síndrome do estresse pós-traumático, crises de pânico, crises de ansiedade e depressão.

Todas essas sequelas a acompanharam e algumas acompanham até hoje, em tratamento medicamentoso. Além da persistência dos sintomas, a maior sequela é da presença de um nódulo no lobo inferior direito do pulmão em decorrência da pneumonia grave que acarreta fibrose pulmonar com necessário acompanhamento por toda vida.

Nesse contexto, necessitando de cuidados onde até então fora escasso, ela se viu em frente ao desconhecido, além do medo de morrer a todo instante. Procurou auxílio médico e iniciou os tratamentos, com isso, teve a certeza de que era preciso mais atenção dos poderes públicos a esta fase pós-Covid-19 da mesma forma que é direcionada na fase aguda.

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O início do TCC

No ano de 2021, iniciou a escrita do Trabalho de Conclusão de Curso onde decidiu trazer esse assunto com intuito de levantar dados e sequelas já descritas na literatura.

Foram mais de 5 mil estudos encontrados dos anos de 2020 e 2021 e 55 selecionados para a escrita. Camila acrescenta que contribuiu na criação do projeto do Ambulatório Pós-Covid-19 apresentado para a Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Bento Gonçalves e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde, através do seu referencial teórico e presenciou reuniões até a sua implementação em Outubro de 2021.

Hoje o ambulatório atende diversos pacientes com encaminhamento dos serviços de saúde da cidade e conta com equipe multiprofissional como Enfermeira, Clínico geral, Psicóloga, Nutricionista, Otorrinilaringologista e Fisioterapia.

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Em meu estudo abordei as principais sequelas acometidas por sobreviventes da Covid-19 ressaltando que, mesmo em casos leves, indivíduos podem apresentar sequelas futuramente e necessitam de tratamento. As categorias e subcategorias abordadas foram:

Sintomatologia pós-agudo

Principais sintomas persistentes encontrados foram a dor, astenia (fraqueza), dispneia, perda de olfato e paladar, dores articulares, “névoa do cérebro”, queixas neurológicas, distúrbios do sono, limitação musculoesquelética, tosse crônica indiferente de casos graves ou leves, porém casos graves atenuam as sequelas devido ao acometimento dos sistemas e a internação e desuso da função musculoesquelética principalmente pacientes em UTI. 

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Referente a casos leves um estudo de Orientação de Saúde Pública da Inglaterra implica que 01 em cada 10 casos leves que não foram hospitalizados tiveram sintomas que duraram 04 semanas. Os casos são divididos em

Leves: sem agravamento dos sintomas e sistemas na fase aguda da doença ou até mesmo assintomáticos;

Moderados: utilização de aporte de O2 e sintomas limitantes das atividades de vida diária;

Graves: pacientes internados, UTI, utilização de ventilação mecânica, entre outros.

Ou seja, quanto mais grave o quadro do paciente maiores serão as dificuldades enfrentadas após a fase-aguda de Covid-19 e por consequências maiores sequelas a serem apresentadas.

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Complicações Neuropsiquiátricas

Sequelas Neurológicas como: cefaleia, anosmia, ageusia, tontura e consciência prejudicada, neuroinflamação, alterações no estado mental (principalmente em idosos), maior incidência de acidente vascular cerebral (AVC), encefalopatia, Síndrome de Guillian-Barré, doença cerebrovascular aguda (mais propensa em pacientes hipertensos), neurodegeneração e declínio cognitivo.

Sequelas Psicológicas: doenças psiquiátricas recém diagnosticas como ansiedade, depressão, insônia, demência, transtorno do estresse pós-traumático, transtorno obsessivocompulsivo, graus de distúrbios psicológicos, como raiva, medo e solidão, além da falta de cooperação e adesão ao tratamento devido ao medo da doença, ideação suicida, desordem de pânico, entre outros.

Sequelas Sistema Nervoso: Quanto as sequelas envolvendo o sistema nervoso ainda não se sabe se são reversíveis ou se continuarão por toda vida, sendo mais comum na forma mais severa da doença e em pacientes com comorbidades. 

Sequelas Neuromusculoesqueléticas: Dentre as disfunções no sistema musculoesquelético está perda da função muscular (responsável pela fraqueza muscular), mialgia, neuropatia e déficit de equilíbrio, rigidez articular, disfagia, quedas frequentes e até quadriparesia. Um dos mecanismos de redução da função musculoesquelética e do trofismo é a ação direta das citocinas inflamatórias no tecido muscular. Assim, a causa da perda de massa muscular provavelmente é multifatorial, envolvendo inflamação, imobilização, nutrição insuficiente e administração de corticosteroides.

Trato Gastrointestinal / Funções Digestivas: Principalmente relacionada a Covid-19 com pacientes que necessitaram de intubação orotraqueal e apresentaram graus de comprometimento na deglutição posterior à extubação, ocasionado a disfagia. Sintomas persistentes como náusea, anorexia, vômito e diarreia podem apresentar-se tanto na fase aguda como na pós-aguda de Covid-19.

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Complicações Cardiorespiratórias

Sequelas Cardíacas: a Covid-19 apresenta complicações multissistêmicas, associada à falência multiorgânica, ativação de múltiplos sistemas neuroendócrinos e mediadores inflamatórios, que no seu conjunto podem comprometer a função cardíaca ocasionando em lesão miocárdica aguda, miocardite, insuficiência cardíaca (IC), choque cardiogênico, arritmias cardíacas e tromboembolismo venoso.

Sequelas Pulmonares: fibrose pulmonar, desempenho no esforço físico e saturação reduzidas, bronquiectasias de tração, dano alveolar, opacidade em vidro fosco, tosse com expectoração e dispneia. Devido as lesões pulmonares, apresentam as funções respiratórias enfraquecidas e, consequentemente, a capacidade de trabalho e a tolerância ao exercício também serão prejudicados, afetando seriamente a qualidade de vida.

Complicações Vasculares

Coagulopatia: Uma das características da infecção por SARS-CoV2 que é a inflamação sistêmica grave, capaz de produzir efeitos pró-coagulantes ou disfunção autoimune, podendo ambos os mecanismos condicionar a lesão miocárdica aguda. Coagulação intravascular disseminada, microtromboses, vasculite, lesão endotelial e o provável estado de hipercoagulabilidade arterial e venoso.

Tromboembolismo: Fatores como o fluxo sanguíneo alterado, hipercoagulabilidade e danos vasculares são fatores do tromboembolismo. A hipoxemia silenciosa em pacientes pós-Covid-19, com percepção de evento tromboembólico na alta hospitalar já são relatados. Em pacientes com quadros graves da Covid-19 pode ocorrer trombose venosa profunda e embolia pulmonar, bem como isquemia aguda do membro, trombose microvascular pulmonar e AVC.

Sequelas Renais: Em 3.235 pacientes que foram hospitalizados por Covid-19 na cidade de Nova York, a Insuficiência Renal Aguda ocorreu em 46% dos pacientes e 20% necessitaram de diálise. A IRA também é fator relacionado com maior mortalidade e 44% dos pacientes que receberam alta apresentaram doença renal aguda residual. Ainda, sugere-se que o número de pacientes que desenvolveram IRA durante o SARS-CoV2 é significativamente mais alto que de outros coronavírus.

 Manifestações cutâneas: O primeiro relatório de registro internacional de manifestações cutâneas relacionadas à Covid-19 através da International League of Dermatological Societies e a American Academy of Dermatology onde, 41 países compartilharam suas observações relacionadas a manifestações cutâneas em casos suspeitos e confirmados de Covid-19. No relatório, os pacientes confirmados para a doença apresentaram erupções urticariformes com 67 duração mediana de 4 dias e máximo de 28 dias, erupções papuloescamosas tiveram duração de em média 20 dias com máximo de 70 dias, pérnio (frieira) com duração de 12 a 133 dias esse, é atribuído à inflamação nos pequenos vasos, destacando o papel patogênico da inflamação crônica e vasculite. A alopecia (queda do cabelo) também foi relatada em estudos.

Complicações endócrinas/metabólicas

Sequelas Endócrinas: Estudos demonstram desenvolvimento de Tireoidite subaguda (SAT) 6 semanas após o início dos sintomas, além de hipotireoidismo.

Obesidade: Fator para desenvolvimento de complicações tanto na fase aguda como pós agudo de Covid-19. Pacientes que desenvolveram lesões pulmonares registraram IMC mediano significativamente maior do que os pacientes que tiveram resolução completa do quadro, presumindo que o aumento do IMC aumenta o risco de lesões pulmonares persistentes em 12,5%.  A combinação obesidade e Covid-19 resulta em maior risco de admissão em UTI e maior mortalidade.

Assistência continuada

Reabilitação: Melhorar a qualidade de vida para o paciente com alta hospitalar engloba uma série de medidas, como fisioterapia pós-admissão, cuidados nutricionais e apoio psicológico, reforçando o impacto sobre os cuidadores e aumento dos custos associados ao cuidado do indivíduo acometido por Covid-19. O início precoce de um programa estruturado de reabilitação contribui para a otimização da função cognitiva, respiratória, neuromuscular e osteoarticular, diminuindo o tempo de permanência em UTI e suas sequelas clínicas e funcionais, os protocolos de intervenção física e cognitiva melhoram a compreensão do paciente sobre o tratamento e os programas de apoio psicossocial, a mudança de comportamento e a adesão às diretrizes.

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Equipe Multiprofissional: Devido a diversidade de sintomas na população afetada, recomenda-se um atendimento personalizado e abordagem holística para o gerenciamento dos sintomas e a necessidade da continuidade de programas de educação médica em Covid longo, especialmente para cuidados primários.

A pluridisciplinaridade, no âmbito das equipes de saúde, promove a atuação conjunta de diferentes profissionais objetivando de forma harmoniosa, a articulação das ações e dos saberes em divisão do processo de trabalho. O paciente na fase aguda e pós-aguda de Covid-19 passa por um maior número de atendimentos e consultas acarretando uma evolução mais rápida e significativa quando diferentes profissionais trabalham em conjunto. Profissionais como médicos Pneumologistas e Radiologistas, Fisioterapeutas, Enfermeiros, Psicólogos e Fonoaudiólogos constituem uma rede de funções inestimáveis para o cuidado, tratamento e reabilitação de pacientes Covid-19.

Sistema de Saúde: Sugere-se que os sistemas de saúde devam se readequar, com estratégias a fim de proporcionar recuperação físico-funcional e reintegração social desses dos sobreviventes da Covid-19, sendo importante desenvolver estratégias conjuntas de enfrentamento, estabelecendo linhas de cuidado na rede local e intermunicipal de saúde, trabalho interprofissional, parcerias intersetoriais, melhora da comunicação entre todos os níveis da atenção, fortalecimento do controle social, implementação de protocolos clínicos e de manejo dos pacientes Covid-19.

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Kelly Pedroso

Parabéns pela abordagem tão séria e completa desse problema que acomete boa parte da população até sem que as pessoas tenham conciência da origem de seus sintomas. Agradecimento à Camila, pessoa maravilhosa e profissional brilhante, pelas informações e por aceitar compartilhar seus estudos.

Carlos Humberto

Que belo e interessante trabalho,pois está fase é tão crítica quanto a luta nas diversa fases da doença. Principalmente no Sistema Neuropsicomotor.
Parabéns e muito sucesso.
Muita Saúde e Paz!