Quilombo do Angico terá documentário idealizado e dirigido por Merlen Alves

A professora Merlen Alves é produtora cultural e se tornou conhecida em Alegrete por contribuir com projetos de impacto em nossa sociedade.

Uma ativista e leitora assídua que vê a literatura como forma de expressão e de compreensão do mundo. Ela encara novos desafios e encontrou no audiovisual uma forma de contar histórias usando luz, câmera e ação. “Não abandono a literatura. Ela faz parte de mim diariamente. Apenas estou encantada com o mundo do audiovisual, de roteirizar e de dirigir cenas que encantam e emocionam”.

Com dois documentários produzidos dentro da temática racial – A cor (dor) da faxina no Brasil ( 2019) e Chão Batido – o resgate de uma história (2023), Merlen resolveu inscrever o projeto de um novo documentário no edital municipal da Lei Paulo Gustavo, desta vez, com foco no Quilombo do Angico- localidade do interior de Alegrete.

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“Quando vi o número de vagas na categoria Audiovisual I, dentro do edital da Lei Paulo Gustavo, percebi que tinha chances de ser contemplada. Primeiro pelo fato de que existem poucas mulheres negras dirigindo documentários e o próprio edital previa ações afirmativas. Negros ainda são minorias nesses espaços e quando falamos em mulheres dirigindo curta metragens, esse número cai ainda mais, considera. E ainda como professora vê a necessidade das pessoas, em especial educadores e educadoras, saberem que em nosso município existe o Quilombo do Angico, devidamente certificado pela Fundação Cultural Palmares.

O curta vai posibilitar as pessoas entenderem o porquê da criação dos quilombos e qual a importância disso nos dias de hoje, bem como, sua relação com o período escravocrata brasileiro. -Eu sou uma mulher preta que quer fazer esse resgate histórico. A comunidade negra de Alegrete merece e muito esse curta metragem que denota a resistência e ancestralidade de um povo que ainda nos dias de hoje é marginalizado e tem seus direitos deturpados.”

Ela lutou por sua classificação, visto que houve divergência no que o edital previa e no que foi realizado. Merlen entrou com recurso enfatizando as determinações do edital, da Lei Federal Paulo Gustavo e do Decreto Paulo Gustavo, todos a seu favor, mas ainda assim teve indeferido seu recurso. Inconformada com a resposta recebida, ela procurou os meios legais para que se cumprisse a classificação da maneira correta.

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“Eu me senti impotente. Tive o apoio de pouquíssimas pessoas, nem dá para contar nos dedos. Falei o tempo todo que essa luta não era apenas por mim, mas por toda classe cultural negra de Alegrete que se inscreve usando o direito de cotas. Chorei, tive crises de ansiedade e me senti sozinha, não fosse o apoio do meu namorado, Alisson, de algumas lideranças negras da cidade e de poucos amigos. Mereln conta que fez textos nas redes sociais, procurou respostas nos grupos de artistas da cidade e no grupo do Conselho de Cultura, que faz parte. Ela diz que a resposta foi sempre a mesma, que tudo estava dentro dos conformes. Profissionais da área de advocacia que procurou não entenderam o seu posicionamento, porém um advogado soube interpretar o edital de forma criteriosa, muito precisa e extremamente profissional.” Tudo foi entre o seu advogado e da empresa contratada para realizar o processo seletivo.

“Na segunda-feira, dia 18 de dezembro, recebi a ligação do jurídico da empresa contratada para organizar a seleção aqui na cidade. Eles me pediram desculpas pelo erro e me orientaram a providenciar os documentos pois iriam abrir a plataforma para que eu pudesse, enfim, anexar os comprovantes que eram requisitos para a fase de habilitação.”

“É muito mais do que um prêmio. Eu sou o tipo de pessoa que faço Cultura sem que me paguem nada. Eu respiro cultura. Mas o que me causou grande desconforto foi ver algo que eu falo seguidamente nas escolas onde vou dar palestras, ser ignorado. Foi uma dor tão grande! Eu não consigo descrever e prefiro não relembrar! Eu preenchia todos os requisitos para isso. O edital me ampara legalmente. Eu nunca, em momento algum, quis passar por cima de alguém, apenas não ia ficar calada vendo algo errado, desbafa Merlen.

Alisson Machado profissional de audiovisual, de Alegrete, vai realizar o projeto com ela.

O curta-metragem

O projeto proposto se chama: Quilombo do Angico – memória (re)sistência e ancestralidade. Merlen Alves e os outros 47 contemplados na Lei Paulo Gustavo em Alegrete, assinaram o Termo de Execução Cultural, em uma solenidade no Palácio Ruy Ramos.
A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022) foi pensada com o objetivo de apoiar fazedores de cultura. Prevê o repasse de R$ 3,86 bilhões a estados, municípios e ao Distrito Federal para ações voltadas ao setor cultural, por meio de editais, chamamentos públicos, prêmios ou outras formas de seleção pública.
Os recursos virão do superávit do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e poderão ser empregados nas diversas áreas da cultura, como artes visuais – que terá recursos exclusivos –, leitura e literatura, teatro, dança, música, expressões artísticas e culturais de povos tradicionais, carnaval, cultura hip-hop e funk, cultura viva, pontos de cultura entre outras.
Em Alegrete, o total disponibilizado é de R$ 627.578,36 dividido da seguinte forma:

Setor de Multilinguagens / R$ 180.930,84
Setor de Audiovisual / R$ 446.647,52

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José Atílio Pires da Silveira

Parabéns professora Merlen, sua resistência e tenacidade, documentadas nas lutas de nossos ancestrais quilombolas, mostram o quanto ainda temos de lutar para sermos tratados com a devida consideração.